05 abril 2025

juan manuel villalba / extravio

 
 
 
Os lugares dourados que o futuro
prometeu são agora um grupo
de guerrilheiros mortos
na clareira de um bosque.
Dor mais invisível do que a dor.
Mas aceito a vida que me cabe
debaixo do peso gelado da noite,
a noite que em qualquer outro destino
– porventura menos incerto –
me pudera ter confortado.
Como quem vive com roupa emprestada;
como quem anda dentro
de um sobretudo que cheira a outra pessoa.
 
 
 
juan manuel villalba
poesia espanhola de agora vol. II
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997
 



04 abril 2025

federico garcia lorca / malaguenha

 
 
 
A morte
entra e sai
da taberna.
 
Passam cavalos negros
e gente sinistra
pelos fundos caminhos
da guitarra.
 
E há um cheiro a sal
e a sangue de fêmea
nos nardos febris
da beira-mar.
 
A morte
entra e sai,
e sai e entra
a morte
da taberna.
 
 
 
federico garcia lorca
poemas
trad. de eugénio de andrade
assírio & alvim
2013
 



03 abril 2025

konstandinos kaváfis / o sol da tarde

 
 
 
Este quarto, como o conheço bem.
Agora alugam-se quer este quer o do lado
para escritórios comerciais. A casa toda tornou-se
escritórios de intermediários, e de comerciantes, e Sociedades.
 
Ah este quarto, não é nada estranho.
 
Perto da porta por aqui estava o sofá,
e diante dele um tapete turco;
ao pé a prateleira com duas jarras amarelas.
À direita; não, em frente, um armário com espelho.
Ao meio a sua mesa de escrever;
e três grandes cadeiras de vime.
Ao lado da janela estava a cama
onde nos amámos tantas vezes.
 
Estarão ainda os coitados nalgum lugar.
 
Ao lado da janela estava a cama;
o sol da tarde chegava-lhe até metade.
 
… De tarde quatro horas, tínhamo-nos separado
por uma semana só… Ai de mim,
aquela semana tornou-se para sempre.
 
 
 
konstandinos kavafis
os poemas
II (1919-1932)
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
2005




02 abril 2025

giórgios seféris / o jardim e suas fontes sob a chuva

 
 
 
VI
 
                                            M.R.
 
O jardim e suas fontes sob a chuva,
hás-de vê-lo apenas da janela baixa
por trás do vidro fosco. O teu quarto
de luz só terá a chama da lareira
e às vezes ao luzir longínquo dos raios ver-se-ão
as rugas da tua fronte, velho amigo.
 
O jardim e suas fontes, que nas tuas mãos eram
ritmos de outra vida, para lá dos mármores
quebrados e das colunas trágicas
e um espaço entre os loureiros
junto à nova pedreira,
 
um vidro turvo ter-to-á cerceado de tuas horas;
não hás-de respirar; a terra e a seiva das árvores
saltarão dos teus sonhos para virem bater
a esta vidraça onde bate a chuva
do mundo lá fora.
 
 
De Mythistorema, 1935
 
 
 
giórgios seféris
a grécia de que falas…
antologia de poetas gregos modernos
trad. de manuel resende
língua morta
2021
 


01 abril 2025

kiki dimoulá / 1 de abril

 
 
 
Abril
– o famoso jardineiro –
pulou de manhã para o meu jardim maninho
e plantou uma maravilhosa rosa.
 
A primavera,
escondida atrás da rosa,
vê o meu espanto e ri-se,
e com a minha alegria sem limites
condecora o mago jardineiro.
 
 
 
kiki dimoulá
inimigo rumor 14
trad. manuel resende
livros cotovia
2003