31 agosto 2012

ana hatherly / wer abend sind sie, sag mir, die fahrenden





Os errantes
os fugazes viajantes
que nós somos
buscando sempre a vibração perdida
diariamente caem
da árvore da memória
onde brilha o nome
o melancólico ansiado barco

Oh que percurso essencial
descrevem os errantes
na sua busca em queda abismados
sobre si mesmos voltados
percorrendo
a arriscada síntese do exílio!

E tu
vontade insatisfeita
onde encontrarás
os frutos da árvore do querer
as alegrias do estar e do ser
que nos rompem o peito
de tanto as ansiar?

A rosa do olhar
que na procura reverdece
a todo o instante esquece
o som da queda
e escuta só
o tilintar da sorte
no inventado bolso da esperança
que nos empurra
impele
lisonjeia
num breve sorriso captado
num furtivo afago
ilusão de ternura

Mas logo logo
algo nos arranca o curativo
nos retira o tapete mágico do repouso
nos remete
para a nossa condição de feridos atingidos

E na busca heróica
do instante transfigurado
o activo martírio de prosseguir
faz de nós
eternos estrangeiros mal-amados
desamparados
peregrinos recém-chegados





ana hatherly
rilkeana
assírio & alvim
1999



30 agosto 2012

jenny mastoráki / o rio


  


O poema omnipotente,
como rio mítico,
barbudo,
de cartucheira à bandoleira,
vem pela rua abaixo a buzinar
enfadando as amantes.
E o poeta
por que te apaixonaste aos dezoito
já não existe,
pois existir quer dizer
tenho casa na rua kypséli
vá visitar-me no fim-de-semana
ou apresento-lhe a minha esposa.
Há uns tipos, em altos estrados,
a fazerem truques com lenços coloridos,
como outrora os charlatães
que vinham de carroça
e te tiraram o dente são
por dois taleres.




jenny mastoráki
grécia (n. 1949),
to soi, kedros, 1978.
tradução de manuel resende




29 agosto 2012

jean genet / note-se, eu não quis dizer


  


Note-se, eu não quis dizer
que um acrobata a oito ou dez metros de altura
deva encomendar-se a Deus (os funâmbulos à Virgem),
orar e benzer-se antes de entrar na pista,
porque a morte está ali,
na cúpula do circo.


Falei ao artista como a um poeta.
Dançasses a um metro do tapete e seria igual a minha prescrição.
Trata-se, já entendeste, da solidão mortal,
de uma zona desesperada e brilhante
onde o artista actua.

Ainda assim acrescento
que deves arriscar uma morte física definitiva.
Exige-o a dramaturgia do Circo.
Com a poesia, a guerra, a tourada,
é um jogo cruel que ainda subsiste.

Tem sua razão, o perigo:
vai obrigar os teus músculos a atingirem o rigor perfeito —
o menor erro leva-te à queda com doença, ou morte
 — e este rigor será a beleza da tua dança.

Pensa desta forma:
um desastrado dá o salto mortal no arame, falha, mata-se,
e o público não fica muito surpreendido.
Já esperava isso, ou quase.
Tens que saber dançar de uma forma muito bela,
fazer gestos puríssimos para surgires precioso e raro,
e ao preparares o salto mortal deixares o público assustado,
quase indignado por um ser tão gracioso se arriscar à morte.

Vences o salto, porém, e voltas ao arame;
os espectadores vão aclamar-te por a tua habilidade não ter consentido
que um dançarino precioso morresse de morte impúdica.

Se quando está só ele sonha, e sonha consigo próprio,
provavelmente há-de ver-se em plena glória;
e talvez cem ou mil vezes se tenha empenhado
a captar a sua Imagem futura:
uma noite, no arame, numa noite de triunfo.

Faz o esforço de se imaginar como gostaria de ser.
E há-de Ir longe a fazer-se aquilo que deseja,
aquilo que sonha.

Mas isto mesmo é o que procura:
parecer mais tarde a imagem de si, que hoje inventa.
E tudo, quando aparece no arame de aço,
para a memória do público só registar a imagem
que hoje inventa para si próprio.
Curioso projecto: Imaginar,
fazer sensível este sonho que será sonho
de outras mentes!

Na verdade a morte horrível,
o monstro horrível que te espreita, é que vão ser derrotados na Morte
que ainda há pouco referi.

(...)




jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984

28 agosto 2012

antónio gancho / ilustrazione






Faço um poema e nasce uma cidade
invento o conteúdo geográfico das coisas.
Escrevo um nome e nasce Dublin
porque Dublin escrevi.
Se onde ponho um traço nasce uma via de ferro
então é um comboio em direcção a Roma.
Faço uma cidade e vejo-me um neón
ponho um anúncio e nasce uma cigaretta.
O italiano compõe o soar da palavra
eu dou uma entoação ao segredo do fim
Se há um horizonte para divulgar o Sol
há uma expectação para divulgar o coração
Se há um moinho para os lados de Perpignan
há Daudet a repousar o Sol numa cadeira
Se há Avignon, uma festa, a França, a Península Itálica,
Burgos e todas as catedrais espanholas
há uma cidade cheia de Sol a compor a direcção
Se o mar fica no fim
Lisboa fica ao pé de Lisboa fica súbito
como se o Tejo fosse um braço decepado
e um cacilheiro total o pano de uma bandeira
Pensa-se no rumor tribal que inunda todas as ruas
faz-se um boulevard duma avenida nossa
põe-se Lautéamont a inventar um prédio.
Há a loucura a inundar a parede
o relógio que
se primeiro bateu na cabeça de Poe
bate depois no sangue feito do conto
divulgado no livro
Lê-se o fígado do poeta no álcool derramado
sobre o desmaio de Ligeia
se esta tem as mãos ebúrneas nasce âmbar
nas mãos brancas duma conceição tripartida.
Ah, se onde ponho a imaginação nasce um lírio
derramem-me a história duma amante sobre a cabeça
pois sou o amante duma perversão absoluta.
Não rasgues o sentido do ombro aí onde tens o tatu do destino
e aí onde só a virgindade do teu androceu malino
pode faltar a dimensão do totem a inundar de carácter
todo o céu africano.
Ah, nasça-me um árabe de luz com seu corpo moreno
contradizendo a logica
nasça-lhe uma idade de rosto sua idade gidiana
para compor a tenda com precaução indefinida.
Reveja-se o jeep inglês de Lawrence
que inundava o deserto duma celtidade absoluta,
o zénite solar sobre o bico da tenda.
Só a imagem dum rio pode dar ao poema
toda esta noção geográfica que o poema não tem.
Bramaputtra
se nasceres no papel vou dizer à ondina do gnomo
que a floresta não constrói.
Ponho uma fonte a cantar na cabeça do gnomo
e o gnomo surge e nasce
como o ícone divulgado.
É rica a mitologia germana
para dar um sentido ao godo que de chifres na cabeça
usa um segredo quotidiano pendular
que é o pulso esquerdo da fêmea.
Põe-se-lhe a data
e o poema nasce
rubicundo
como a ponta de um lápis
que escrevesse no registo
o nome macho dum bebé.
I achieve
I finalize
eu acabo
eu finalizo.
É o poema terminado.





antónio gancho
o ar da manhã
assírio & alvim
1995



27 agosto 2012

antónio franco alexandre / um dia






Um dia abres os olhos e descobres
os inexactos corpos misturados
e ficas sem saber de que maneira
este estranho centauro nomear.
Já te espantou o lume, quando viste
uma língua no sonho da saliva,
e te riste, de ser tão branco o sangue
que nas beiras da noite adormecia.
Agora é o teu corpo que procura
na orla da floresta, uma fogueira
onde acordar as mãos de forma humana,
e resolver enfim, mas para sempre,
se ser o sacro emblema do horror
ou o primeiro verso de um poema.






antónio franco alexandre
poemas
assírio & Alvim
1996



26 agosto 2012

antonio gamoneda / poema 2






Lancei ao abismo o osso da misericórdia; não é neces-
sário quando a dor faz parte da serenidade, mas a luci-
dez trabalha em mim como um álcool enlouquecido.


Sei que as unhas crescem na morte. Não


chega ninguém ao coração. Despojamo-nos de nós mesmos
ao expulsar a falsidade, esfolamo-nos e


não vem ninguém. Não
há sombras nem agonia. Bem:
não haja mais do que luz. Assim é
a última embriaguez: partes iguais
de vertigem e esquecimento.  




antonio gamoneda
trad. de hugo branco  
4º encontro de poesia de aveiro


25 agosto 2012

blaise cendrars / livros


  


Há livros que falam do canal do Panamá
Não sei o que dizem os catálogos das bibliotecas
E não ouço os diários das finanças
Embora os boletins da Bolsa sejam a nossa oração quotidiana

O Canal do Panamá está intimamente ligado à minha infância...
Eu brincava debaixo da mesa
Dissecava moscas
Minha mãe contava-me as aventuras dos seus sete irmãos
Dos meus tios
E quando recebia cartas
Deslumbramento!
Cartas com belos selos exóticos que trazem versos de Rimbaud no exergo
Nesse dia já não me contava mais nada
E eu ficava triste debaixo da mesa.
Foi também por essa altura que li a história do tremor de terra de Lisboa
Mas creio bem
Que a derrocada de Panamá é duma importância mais universal
Porque me perturbou a infância.






blaise cendrars
poesia em viagem
trad. liberto cruz
assírio & alvim
1974


24 agosto 2012

jorge de sousa braga / hidrologia


  


Nem em todas as montanhas nasce um rio
nem todos os rios vão desaguar
ao coração enorme e sedento
dum poeta




jorge de sousa braga
o poeta nu
fenda
1991



23 agosto 2012

felipe benitez reyes / esboço na água





Sabes bem que estes anos passarão,
que tudo acabará em literatura:
a imagem das noites, a lenda
da triunfante juventude e as cidades
vividas como corpos.


Que estes anos
passarão já o sabes, pois são teus
como posse de neve e neblina,
como do oceano é a bruma, ou é do ar
a cor fugitiva da tarde,
coisas de ninguém e do nada
surgidas, que ao nada vão:
nem o oceano, nem o ar, nem essa bruma,
nem um crepúsculo igual verão os teus olhos.


A memória é um desenho na água
e nas suas ondas revela-se o cadáver do tempo.

Farás esse desenho.

E de súbito
terás a sombra morta
do tempo junto de ti.





felipe benitez reyes
espanha
tradução de manuel rodrigues


22 agosto 2012

heinrich heine / ein jüngling...





Um jovem ama uma jovem
Que a um outro jovem cobiça.
Mas este outro a uma outra quer,
E, casando, sai da liça.

Despeitada, a jovem casa
Com outro, seja quem for.
E o primeiro enamorado
Sofre desgostos de amor.

Por ser 'stória muito antiga,
Não é menos nova, não:
E quando a alguém acontece
Quebra sempre o coração.






heinrich heine
poesia de 26 séculos
segundo volume
de bashô a Nietzsche
trad. jorge de sena
editorial inova
1972
            

21 agosto 2012

henri michaux / paisagens


  


Paisagens tranquilas ou desoladas.
Paisagens da estrada da vida mais do que da superfície da
Terra.

Paisagens do Tempo que se escoa lentamente, quase imó-
vel e às vezes como que de marcha atrás.

Paisagens de retalhos, de nervos lacerados, de «sauda-
des».

Paisagens para tapar as feridas, o aço, o estoiro, o mal, a
época, a corda ao pescoço, a mobilização.

Paisagens para abolir os gritos.
Paisagens como um lençol puxado até à cabeça.





henri michaux
antologia
tradução de margarida vale de gato
relógio d´água
1999



20 agosto 2012

josé agudo / ne me quitte pas





Entro num bar
e ouve-se o Ne me quitte pas
de um Jacques Brel
nostálgico e distante.

Peço uma cerveja,
acendo um cigarro
e penso mais uma vez
que deveria largá-lo.

Sem saber por quê
recordo-me de sessenta e oito
e da Paris de então.
Eu era todavia muito jovem
e não estive em Paris
em maio de sessenta e oito.
Não estive em Paris.
Ne me quitte pas...

Acendo outro cigarro
e lembro-me que a minha filha
anda pelos quinze
ou tem dezasseis, não sei.

Irrita-me esta cerveja quente,
o fumo, a luz tísica das lâmpadas,
os gritos desses miúdos,
o murmurinho das conversas,
o cheiro a cozinha e a fritos.
- Barman,
que a música não se oiça!

Este lugar deprime-me
e no entanto aguento.




josé agudo
por vivir aquí - antologia de poetas catalanes en castellano (1980-2003)
organização de mnuel rico, prólogo de manuel vásquez montálban
bartleby, madrid
2003

versão de luís filipe parrado



18 agosto 2012

gil t. sousa / lentidão das facas





6

cheia
da lentidão das facas

a tua sombra
a cortar o tempo.



gil t. sousa
água forte
2005



17 agosto 2012

amadeu baptista / a noite de pavese






Raras vezes me franquearam a porta  
e me deixaram entrar. A febre  
sitia-me a alma e quem me vê  
assusta-se do aspecto do meu rosto,  
esta barba por fazer onde um rouxinol  
se esconde. E mais ainda assusta  
a minha altura, este lugar de vertigem  
e palavras poderosas, a presença  
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,  
o estremecimento que corre nos meus ombros.  
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.  
E quando entro nas casas os meus gestos  
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática  
que contorna o pavor e o entrega  
por não se saber que espécie de vida ou de morte  
vem comigo. Obviamente, eu abençoo  
quem me deixa entrar, dou a entender  
que alguma coisa brilha nas minhas mãos  
e posso matar a fome com uma ou outra palavra  
próxima do amor, um dedo nos cabelos  
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa  
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem  
com as inefáveis sombras que vejo nos outros  
e tento decifrar para meu contentamento.  
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.  
Esse álcool reconfortou-me a alma.  
E a minha gratidão expressa-se deste modo, limpo  
e nítido, observando a mulher nesse sem fim  
das coisas, onde todos os mistérios avançam  
para uma explicação que a qualquer momento  
pode irromper do espírito como uma explosão.  
Olho-te nos olhos e recebo as duas moedas  
que me ofereces, o teu rosto é-me familiar  
se recuar à infância e subitamente perceber  
que também pertenci ao exercício desta árvore   
que nesta sala se levanta. Em frente,  
na fotografia que o meu olhar alcança  
porque me alcança o olhar que dela se desprende,  
inscreve-se o enigma que me fez aqui chegar,  
mais que um rumor ou um fio ténue  
com o nome de todas as coisas inesperadas  
que me aconteceram na vida, sempre  
que me franquearam a porta e me deixaram entrar.  
Agora, com a memória de ter estado em tua casa  
e ter recebido a graça de alguma atenção,  
eu, que sou pedinte embora nada peça,  
entrego-te este sulco da desordem  
sobre a página em branco e agradeço-te  
com o conhecimento de um outro mundo  
ainda mais inexplicável.  
Não tendo havido despedida, sabe que permaneço  
e na encruzilhada das dores que me couberam viver  
não esquecerei o teu nome no dia em que também tiver partido  
e mais nenhuma luz houver além daquela  
que ilumina o teu rosto na solidão da noite.  
Os anjos esperam-me. Não me é possível demorar.  
Que me seja a alba a tua tolerância. 




amadeu baptista


16 agosto 2012

josé alberto oliveira / lema





Depois alguém morreu;
a estada tornou-se penosa,
o verão parecia não ter fim.
Era tempo de fazer malas
e projectos, de trocar
pautas por desacertos,
como, no último trimestre
do liceu, quem se apaixona
e arrepende da solidão que perdeu.
Assim chegou o outono
─  depois alguém morreu.




josé alberto oliveira
resumo a poesia em 2011
assírio & alvim
2012





15 agosto 2012

jean genet / paro esta ferida —






     Paro esta ferida —
     incurável porque ele próprio, em pessoa —
     e nesta solidão,
     é que ele deve morrer;

     pode aí desencantar a força,
     a audácia e a destreza necessárias à sua arte.


     Vou pedir-te um pouco de atenção.
     E vê lá bem: para te entregares melhor à Morte,
     fazer que more em ti com a mais rigorosa exactidão,
     tens de estar sempre de boa saúde.
     A doença mais insignificante iria devolver-te à nossa vida.
     Partir esse bloco de ausência que vais ser.
     Uma espécie de humidade com bolores
     haveria de invadir-te. Vigia a saúde.


     (Se o aconselho a evitar luxos na vida privada,
     se o aconselho a andar meio sujo, usar roupa desleixada,
     sapatos cambados,
     é para ter menos à-vontade de noite,
     toda a esperança do dia se exaltar na aproximação da festa,
     a distância de uma miséria aparente
     à mais esplendorosa das aparições
     dimanar tensão tamanha
     que a dança funcione como a descarga de um grito,
     para a realidade do Circo se preservar
     nesta metamorfose em poeira de ouro,
     mas sobretudo aquele que deve suscitar imagem tão admirável
     ser morto ou, se preferirmos, arrastado pelo chão
     como o derradeiro e mais desprezível homem.

     Chego ao ponto de o aconselhar a ser manco,
     cobrir-se de andrajos, piolhos, e a cheirar mal.
     Que o seu corpo cada ‘vez se apague mais para deixar cintilar,
     ser cada vez mais brilhante,
     a imagem a que me refiro, habitada por um morto.

     Que acabe por existir só na sua aparição.)

     (...)




jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984


14 agosto 2012

rui baião / um homem duplo cego





Um homem duplo cego
aposta o limite. Um homem que se preze
presume uns degraus abaixo
do limiar da pobreza. Um homem
a ver gente vencida pelo silêncio,
a morrer aos bocados.
Um homem à beira
do fim.





rui baião
ladrador
averno
2012



13 agosto 2012

emilio adolfo westphalen / poema






Amarrado à sua sombra o bosque
Abria caminho às pegadas ardentes
Os faunos carreavam os regatos
E nos cornos da Lua uma flauta trilava
A ninfa na encosta sobre o braço descansava
Estios de florais prestígios
Entreteciam desenredavam as brisas
Nas têmporas da bela adormecida
Como se dois meninos com ele folgassem
Tantas voltas dava o mundo
De mão em mão se via percorrido
De vermes com chapéu de copa e dignidade
Os rios não se atreviam
A tocar a orla das cidades
De longe as cantavam e em surdina
Para não quebrar a quietação das muralhas
Ou turvar no recinto
A clara canção dos menestréis
Ali aparecia a bela adormecida coberta de sóis
Os seus ardentes passos tanto mediam o solo
Como o firmamento
Uma sombra de oliveiras sob os olhos
Murmúrios de água para as mãos
No mar esses olhos flutuavam sempre
E esta rama de loureiro de horizonte a horizonte
Adorno dos sonhos pendentes do céu
Não viste um sorriso fiar uma paisagem
A moçoila rindo com o céu gotejando de suas mãos
Mais sombra me davam as pestanas dela
Que uma alameda sob o triplo peso
De folhas ventos e céus
Não viste entreabrir-se a alvorada
Sobre as neves como uma fronte
Alumiando o sol e as estrelas
E a mão mais clara que a água com seu rumor
Assim me atravessaram desde a manhã à noite
As músicas geladas os dedos de aço
Com cercaduras novas seu rosto não descansava
Já sobre a dália ou sobre a nevada
Já na brisa ou no próprio coração do inverno
E na outra mão o ceptro do estio
E no outro pé o sol do outono
Os olhares carregados de resplendores de oceanos ensolarados
Cruzando o Mediterrâneo os golfinhos saltavam
Nos ares quedavam-se as tartarugas
A moçoila não despertara ainda
A flor era a plenitude dos espaços.



  


emilio adolfo westphalen
abolición de la muerte
1935
tradução de nicolau saião