Paro esta ferida
—
incurável porque
ele próprio, em pessoa —
e nesta solidão,
é que ele deve
morrer;
pode aí
desencantar a força,
a audácia e a
destreza necessárias à sua arte.
Vou pedir-te um
pouco de atenção.
E vê lá bem: para
te entregares melhor à Morte,
fazer que more em
ti com a mais rigorosa exactidão,
tens de estar
sempre de boa saúde.
A doença mais
insignificante iria devolver-te à nossa vida.
Partir esse bloco
de ausência que vais ser.
Uma espécie de
humidade com bolores
haveria de
invadir-te. Vigia a saúde.
(Se o aconselho a
evitar luxos na vida privada,
se o aconselho a
andar meio sujo, usar roupa desleixada,
sapatos cambados,
é para ter menos
à-vontade de noite,
toda a esperança
do dia se exaltar na aproximação da festa,
a distância de
uma miséria aparente
à mais
esplendorosa das aparições
dimanar tensão
tamanha
que a dança
funcione como a descarga de um grito,
para a realidade
do Circo se preservar
nesta metamorfose
em poeira de ouro,
mas sobretudo
aquele que deve suscitar imagem tão admirável
ser morto ou, se
preferirmos, arrastado pelo chão
como o derradeiro
e mais desprezível homem.
Chego ao ponto de
o aconselhar a ser manco,
cobrir-se de
andrajos, piolhos, e a cheirar mal.
Que o seu corpo
cada ‘vez se apague mais para deixar cintilar,
ser cada vez mais
brilhante,
a imagem a que me
refiro, habitada por um morto.
Que acabe por
existir só na sua aparição.)
(...)
jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984
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