UM
Devemos ir pelos versos muitas vezes, fixá-los fora dos modos usuais
aos actores cobertos de adereços, representar nas palavras as fugidias imagens,
os vazios dos sons adormecem nas fogueiras, a mudante linguagem vem como as
aranhas pelos revoltos mercados dos homens, tudo seco, a seiva entre a areia e das
flores. Antes de os destinos estarem nomeados, o corpo escuro e o claro dos
astros dançam a tua mão, muda, muda, ludibria a negra encantação, as estrelas
vês como flutuam no pão diário, no sal esmagado das comidas, no dinheiro com
que compras coisas? Estende-te com elas sobre a cama, pousa num peito a
brilhante boca, estão à espera que digas o destino até te despedires. Transformados
na terra leva-nos o ar pelas maiores derivas para tornarmos esquecidos a um
novo corpo de suplícios e não sabemos onde. As fogueiras acesas no largo de
teatro devem aquecer no escuro o teu corpo vigilante. As sombras das árvores
dançam-te à roda e nas mãos estendidas passa o fumo. O teu corpo está sozinho,
desconhece quem o imagina de roupas grossas, a barba por fazer avermelhada por
um fogo. Podiam defender-te o peito do frio de janeiro, acertar-te o cinto com
os braços, viria ver-te um gato pelo muro, as névoas da boca subiriam com o
fumo no areão molhado do orvalhos. Tens esta casa para repousar, jogar, deixar
a roupa suja. Com as palavras destes versos atraio os planetas ao teu curso, os
corpos benfazejos que não vês e vais sentindo enquanto representas. Esta qualidade
que tenta aproximar-se dos desígnios arrasta sobre o corpo rios, lagos, aves de
verão, vegetações. Vêm os mortos sobre o mar que são os vivos do futuro
escutar-te. Não deixes que parta o fogo ou se avizinhe. Transformam este texto
numa víbora para te morder.
joaquim manuel magalhães
antónio palolo
na regra do jogo
1978
antónio palolo
na regra do jogo
1978

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