01 junho 2010
antónio josé forte / a torre de pisa
A torre de Pisa
em Itália
como qualquer torre
não fala
Inclina-se
para a frente
e cumprimenta
a gente
Não é como
a torre de Belém
que não cumprimenta
ninguém
antónio josé forte
uma rosa na tromba de um elefante
desenhos de aldina
parceria a. m. pereira
2001
31 maio 2010
vasco ferreira campos / antes que o verão chegue
Antes que o verão chegue
e as longas tardes
se espalhem pelo coração
e te prendam ao desgaste habitual
toca uma palavra
para que permaneça
na minha boca
onde mais ninguém
possa ficar confundido.
Uma apenas.
E vê como pesa menos sobre o silêncio
a sombra que vais mover.
vasco ferreira campos
a voz à chuva
guimarães
pedra formosa
1996
30 maio 2010
vergílio ferreira / pensar o livro
vergílio ferreira
escrever
edição de helder godinho
bertrand editora
2001
27 maio 2010
luís veiga leitão / corredor
Cem metros à sombra – temperatura
de tantos corpos e almas em rodagem.
Neste muro cercado, a maior viagem
sob um céu de pedra escura.
Sombras em fila, espectros talvez,
desplantam ecos da raiz do chão.
Lembram comboios que vêm e vão
sob túneis de pez.
E vêm e vão com pés humanos
ressoando movimentos tardos,
levando fardos, trazendo fardos
das horas sem dias e meses sem anos.
E vêm e vão, sempre, sempre a rodar
na linha de railes espectrais,
sem descarregadores na gare,
sem guindastes nos cais
E vêm e vão pela via larga
das redes do sonho e da lembrança,
levando a carga, trazendo a carga
de toneladas de esperança.
luís veiga leitão
surrealismo abjeccionismo
antologia organizada por mário cesariny
edições salamandra
1992
25 maio 2010
alexandre nave / o cheiro dos carniceiros a tatuar palavras
3
Os pés nos campos de algodão
calcinados de sangue, abertos
descidos os buracos ao corpo
caminhamos os campos desprovidos
abrimos poços nos ouvidos,
os olhos já queimados
furamos os dedos nos umbigos
um a um num cordão a enfiar,
nascemos uns nos outros
não sabemos quem nos vem queimar.
alexandre nave
columbários & sangradouros
quasi
2003
24 maio 2010
eva gerlach / erosão
Atrás da colina havia uma espécie de vale.
Eu estava deitada, escondida até
me encontrarem. Nas copas
dos carvalhos uma inclinação
esboçou-se, os pássaros
não gostaram e levantaram voo.
Azul, o vislumbre de um desenho
desordenadamente tecido sob as asas
abriu-se, passaram tão
baixo – por cima de mim houve
um que gritou encontrei-te.
eva gerlach
alguns poemas
trad. colectiva
poetas em Mateus
quetzal editores
1994
21 maio 2010
kiki dimoulá / anúncios
Oferece-se desespero
em excelente estado,
e espaçoso beco-sem-saída.
A preços vantajosos.
Vende-se terreno
baldio e fértil
por falta de sorte e disposição.
E tempo
totalmente por utilizar.
Informações: no beco.
Horário: sempre.
kiki dimoulá
inimigo rumor 14
trad. manuel resende
livros cotovia
2003
19 maio 2010
fiama hasse pais brandão / do amor IV
Esta vista de mar, solitariamente,
dói-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
A arte da Natureza pede
o amor em dois olhares.
fiama hasse pais brandão
as fábulas
quasi
2002
18 maio 2010
alejandra pizarnik / para lá de qualquer zona proibida
17 maio 2010
gil t. sousa / o tempo é uma armadilha
18/
o tempo é uma armadilha
na forma daqueles
que mais amamos.
gil t. sousa
falso lugar
2004
16 maio 2010
josé miguel silva / contra os optimistas
Chamam destino ao rifão do acaso
e chamam à fraude boa fortuna.
Crêem no Batman e na Virgem Maria.
Duvidam do frio, não da polícia
e nunca dão crédito àquilo que vêem.
Reservam a tempo um lugar na geral,
põem o pé entre duas ciladas
e ficam a rir-se nas fotografias.
Sujam a roupa tal como nós, mas
mandam-na sempre a lavandarias
que sabem tratar dos casos difíceis.
Nunca dão ponto sem antes o nó,
mas fazem um laço por cima do nó.
Compram revistas de aval científico
em cujos artigos se prova o seguinte:
é quase impossível determinar
se é falsa uma lágrima ou se é verdadeira.
Depois, jantam em grupo, falam dinheiro,
guiam a vida por grandes veredas e ouvem
sininhos, muitos sininhos de música sacra.
josé miguel silva
ulisses já não mora aqui
& etc
2002
12 maio 2010
leopoldo maria panero / quem andou na sombra
Quem andou na sombra, como o vento
descalço como se não andasse
como se sob a noite andasse
contente com as estrelas
silencioso como o milagre
de existir ainda, em frente das estrelas
e contra o milagre do ar.
leopoldo maria panero
conversação
tradução pedro serra
livros cotovia
2001
10 maio 2010
rené char / folhas de hipno 16
O entendimento com o anjo, nossa primordial preocupação.
(Anjo, o que, no interior do homem, se mantém à margem do compromisso religioso, a palavra do mais alto silêncio, a significação de valor incalculável. Afinador de pulmões que doura os cachos vitaminados do impossível. Conhece o sangue, ignora o celeste. Anjo: a vela que se debruça a norte do coração.)
rené char
furor e mistério
trad. margarida vale de gato
relógio de água
2000