Víamos correr diante de nós a água que aumentava. Apagava
de repente a montanha, expelindo-se dos seus flancos maternais. Não era uma
torrente que se oferecia ao seu destino, mas um animal inefável, em cuja
palavra e substância nos tornávamos. Retinha-nos apaixonados sob o arco
todo-poderoso da sua imaginação. Que intervenção teria podido constranger-nos? Já
não se fazia sentir a exiguidade quotidiana, o sangue derramado fora restituído
ao seu calor. Adoptados pelo espaço aberto, desbastados até ao invisível,
éramos uma vitória que jamais teria fim.
rené char
a fonte narrativa (1947)
furor e mistério
trad. margarida vale de gato
relógio d’ água
2000