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25 julho 2024

alejandra pizarnik / quarto solitário

 
 
               
Se te atreves a surpreender
a verdade desta velha parede;
e as suas fissuras, rasgões,
formando rostos, esfinges,
mãos, clepsidras,
certamente virá
uma presença para a tua sede,
provavelmente partirá
esta ausência que te bebe.
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
los trabajos y las noches (1965)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020
 



09 fevereiro 2024

alejandra pizarnik / pequenos poemas em prosa





 

 
 
Fechou-se o sol, fechou-se o sentido do sol, iluminou-se o sentido de fechar.
 
 
*
 
Chega um dia em que a poesia se faz sem linguagem, dia em que se convocam os grandes e pequenos desejos disseminados nos versos, reunidos de súbito em dois olhos, os mesmos que tanto louvava na frenética ausência da página em branco.
 
 
*
 
Enamorada das palavras que criam noites pequenas no incriado do dia e seu vazio feroz.
 
 
 
alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002
 




 

03 junho 2023

alejandra pizarnik / como água sobre uma pedra




                
a quem regressa em busca da sua antiga busca
a noite fecha-se como água sobre uma pedra
como ar sobre um pássaro
como se fecham dois corpos ao amar-se
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
extracción de la pidra de locura (1968)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020


 



12 setembro 2022

alejandra pizarnik / azul

 
               
as minhas mãos cresciam com música
atrás das flores
 
mas agora
por que te procuro, noite,
por que durmo com os teus mortos
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
las aventuras perdidas (1958)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020





10 janeiro 2022

alejandra pizarnik / conto de inverno

 
 
                         A Silvina Ocampo
 
 
A luz do vento entre os pinheiros – compreendo
estes sinais de tristeza incandescente?
 
Um enforcado balança-se na árvore marcada com a cruz
lilás.
 
Até que conseguiu deslizar fora do meu sonho e
entrar no meu quarto pela janela, com a cumplicidade
do vento da meia-noite.
 
 
 
alejandra pizarnik
trad. josé bento
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001




 

17 agosto 2021

alejandra pizarnik / árbol de diana

 
               
1
 
Dei o salto de mim para a alba.
Deixei o meu corpo junto à luz
e cantei a tristeza do que nasce
 
 
 
 


alejandra pizarnick
antologia poética
árbol de diana (1962)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020






08 junho 2021

alejandra pizarnik / moradas

 
 
                  para Théodore Praenkel
 
 
Na mão crispada de um morto,
na memória de um louco,
na tristeza de uma criança,
na mão que procura o copo,
no copo inalcançável,
na sede de sempre.
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
los trabajos y las noches (1965)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020






 

01 abril 2021

alejandra pizarnik / para além do esquecimento

 
 
alguma vez de um costado da lua
verás cair os beijos que brilham em mim
as sombras sorrirão altivas
luzindo o segredo que geme vagueando
virão as folhas impávidas que
algum dia foram os meus olhos
virão as murchas fragrâncias que
inatas desceram do alado som
virão as vermelhas alegrias que
borbulham intensas ao sol que
arredonda as harmonias equidistantes
no fumo dançante do cachimbo do meu amor
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
la tierra más ajena (1955)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020





 

24 dezembro 2020

alejandra pizarnik / mendiga voz

 
 
E ainda me atrevo a amar
o som da luz a uma hora morta,
a cor do tempo num muro abandonado.
 
No meu olhar já perdi tudo.
É tão longe pedir. Tão perto saber que não há.
 
 
 
alejandra pizarnick
antologia poética
los trabajos y las noches (1965)
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020

 






24 agosto 2020

alejandra pizarnik / lanterna surda




     Os ausentes respiram e a noite é densa. A noite tem a
cor das pálpebras do morto.
     Toda a noite faço a noite. Toda a noite escrevo. Palavra
por palavra eu escrevo a noite.



alejandra pizarnick
antologia poética
extracción de la piedra de locura - 1968
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020











30 junho 2020

alejandra pizarnik / o coração do que existe



não me entregues,
               tristíssima meia-noite,
ao impuro meio-dia branco




alejandra pizarnick
antologia poética
los trabajos y las noches  – 1965
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020










21 maio 2020

alejandra pizarnik / a carência



Eu não sei de pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que a minha solidão deveria ter asas.


alejandra pizarnick
antologia poética
las aventuras perdidas  – 1958
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020














01 abril 2020

alejandra pizarnik / estar


Vigias neste quarto
onde a sombra temível é a tua.

Não há silêncio aqui
só frases que evitas ouvir.

Sinais nos muros
narram a bela distância.

(Faz com que não morra
sem voltar a ver-te.)



alejandra pizarnick
antologia poética
extracción de la piedra de locura – 1968
tradução fernando pinto do amaral
tinta da china
2020







20 março 2018

alejandra pizarnik / quarto somente




Se te atreves a surpreender
a verdade desta velha parede
e as suas fissuras, escaras,
formando rostos, esfinges,
mãos, clepsidras,
seguramente virá
uma presença para a tua sede,
provavelmente partirá
esta ausência que te bebe.




alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002







19 setembro 2015

alejandra pizarnik / anéis de cinza



                             a cristina campo


São as minhas vozes cantando
para que não cantem eles,
os amordaçados tristemente na aurora
os vestidos de pássaro desolado na chuva.

Há, na espera,
um rumor de lilás rompendo-se.
E há, quando vem o dia,
uma partição do sol em pequenos sóis negros.
E quando é de noite, sempre,
uma tribo de palavras mutiladas
procura asilo na minha garganta
para que não cantem eles,
os funestos, os donos do silêncio.



alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002



04 junho 2015

alejandra pizarnik / apenas a sede



3
Apenas a sede
O silêncio
Nenhum encontro

Cuidado comigo, meu amor
Cuidado com a silenciosa no deserto
Com a que viaja de copo vazio
E com a sombra da sua sombra


alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002




15 agosto 2013

alejandra pizarnik / poema



Eleges o lugar da ferida
onde falamos o nosso silêncio
Fazes da minha vida
esta cerimónia demasiado pura

  

alejandra pizarnik




20 março 2013

alejandra pizarnik / o despertar




“Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
e voou
e o meu coração está louco
porque uiva à morte
e sorri por detrás do vento
aos meus delírios

Que hei-de fazer com o medo
Que hei-de fazer com o medo

A luz já não dança no meu sorriso
nem as estações queimam pombas nas minhas
ideias
As minhas mãos despiram-se
e foram até onde a morte
ensina os mortos a viver

Senhor
o ar castiga-me o ser
Por detrás do ar há monstros
que bebem do meu sangue

É  o desastre
é a hora do vazio no vazio
é o instante de aferrolhar os lábios
Ouvir gritar os condenados
contemplar cada um dos meus nomes
enforcados no nada

Senhor
eu tenho vinte anos
e também os meus olhos têm vinte anos
e no entanto não dizem nada

Senhor
eu consumei a minha vida num instante
Estalou a última inocência
Agora é nunca ou jamais
ou simplesmente foi

Porque é que não me mato defronte a um espelho
e desapareço para ressurgir no mar
onde me havia de esperar um grande navio
com as luzes acesas?

Porque é que não arranco as veias
e faço com elas uma escada
para subir ao outro lado da noite?

O princípio deu à luz o final
tudo permanecerá igual
os sorrisos gastos
o interesse interessado
as perguntas de pedra em pedra
os gestos que arremessam o amor
tudo continuará igual

E no entanto os meus braços insistem em abraçar o mundo
porque ainda não lhes ensinaram
que já é demasiado tarde

Senhor
Atira os cadáveres do meu sangue

Recordo a minha meninice
quando eu era uma anciã
as flores morriam nas minhas mãos
porque a dança selvagem da alegria
lhes destruía o coração

Recordo as negras manhãs de sol
quando era menina
quer dizer ontem
quer dizer há séculos

Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
e devorou-me a esperança

Senhor
a gaiola transformou-se em pássaro
Que hei-de fazer com o medo?”




alejandra pizarnik
tradução livre


16 janeiro 2013

alejandra pizarnik / construiste a tua casa


  
16

Construiste a tua casa
emplumaste os teus pássaros
golpeaste o vento
com os teus próprios ossos

terminaste sozinha
aquilo que ninguém começou





alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002





14 julho 2012

alejandra pizarnik / a jaula




Lá fora há sol.
É apenas o sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.

Eu não sei do sol,
eu sei da melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até de madrugada
quando a morte se põe nua
na minha sombra.

Choro debaixo do meu nome.
Abano lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
bailam comigo.
Escondo cravos
Para escarnecer dos meus sonhos enfermos.

Lá fora há sol.
Visto-me de cinzas.



alejandra pizarnik
antologia poética
trad. alberto augusto miranda
edit. o correio dos navios
2002