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20 abril 2012

gil t. sousa / não saber


  

50

todas as noites não saber

em que hora parar
em que degrau de sombra

largar o recado para o nada

que nos queima
as mãos




gil t. sousa
falso lugar
2004





05 abril 2012

gil t. sousa / febre





49

eles deixaram-me
porque lhes pedi a febre

não há mundo
no que não se incendeia

escuta:
sou uma vela branca
a murmurar a sua chama

apaga-me
se quiseres ir




gil t. sousa
falso lugar
2004






21 março 2012

gil t. sousa / epitáfio





48

amei com palavras grandes
e secretas

amei com versos limpos



gil t. sousa
falso lugar
2004





01 março 2012

gil t. sousa / lições





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não há nada tão triste
como a primeira coisa
que escondemos numa gaveta


ou a última pessoa
que enterrámos num papel



gil t. sousa
falso lugar
2004



17 fevereiro 2012

gil t. sousa / um caminho

  


46

um caminho
que perfeito abrigasse
o chão
que nos sustém

e um céu
que se abrisse
ao morrer do medo
num longínquo ponto
sem luz

e que esta paixão
fosse um deserto
sem sede

este amor
o sono do tempo




gil t. sousa
falso lugar
2004





01 fevereiro 2012

gil t. sousa / recado





45

amei-vos

como uma árvore
ama os seus pássaros



gil t. sousa
falso lugar
2004




09 janeiro 2012

gil t. sousa / história de amor




44

é sempre
uma história de amor:

a árvore
que se afeiçoa ao pássaro

o sol
que se liga à água

os olhos
que se prendem ao mar




gil t. sousa
falso lugar
2004





21 dezembro 2011

gil t. sousa / claríssimo lugar




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e chega-se ao lugar
do saber
ao claríssimo lugar
de tudo se nos correr no coração
como luz
como um animal devotado
e louco
branco, muito branco
caído nos olhos fechados
no outro lado
como se fosse enfim
a morte




gil t. sousa
falso lugar
2004




05 dezembro 2011

gil t. sousa / perigo




42

 


um olhar
que não soubéssemos ter
e todos os pássaros se apagariam





gil t. sousa
falso lugar
2004





15 novembro 2011

gil t. sousa / eis o lugar



41

 
eis o lugar
da secura súbita dos rios

o deserto estridente
das horas

onde a palavra
se apaga

e os lábios
talham

o novíssimo nome
da morte

eis o tempo
que se esconde
no tempo

a paisagem falsa
da noite
iluminada

o rosto assassino
a mão que esmaga
a luz

no frágil ofício
da doçura

eis o amor
o secreto sangue

no incêndio
dos espelhos

a cinza solta
sobre a ilusão

dos pássaros




gil t. sousa
falso lugar
2004



29 outubro 2011

gil t. sousa / lição das árvores

  

40

  
lição das árvores:
regressamos nus do abandono

e como o tempo nada devolve
pairamos sobre a morte
como frutos interrompidos
que ninguém
sabe colher




gil t. sousa
falso lugar
2004




11 outubro 2011

gil t. sousa / tudo muda





39

tudo muda
quando um verso rebenta
nos lábios
certos



gil t. sousa
falso lugar
2004




07 setembro 2011

gil t. sousa / cada palavra tua


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cada palavra tua
é agora uma ilha

um minuto mágico
de matar silêncios

cresceu-te no olhar
um lugar de adeus

e dizes os nomes
dás-nos os gestos

que, afinal,
te ferviam no coração



gil t. sousa
falso lugar
2004
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15 agosto 2011

gil t. sousa / esse brilho



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esse brilho de cidade
que no rasto das estrelas se anuncia

ou o alquímico silêncio de uma duna
cravado
no olhar de um sábio

as papoilas,
os segredos
na lisa viagem do sangue
os mistérios vermelhos
de que se envenenam os rios

as ruidosas veias
que moram nas mãos solitárias

a morte
vestiu-se de prata
é
uma serpente
que sobe lenta
o último suspiro
da lua
e descansa aos pés
da eternidade dormente
das pedras




gil t. sousa
falso lugar
2004
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24 julho 2011

gil t. sousa / cigarro

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no dia
em que as luzes se apagaram
tinha um cigarro
na mão
 
um amigo
 
que me disse tudo
até à cinza
 
 
 

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04 julho 2011

gil t. sousa / é preciso dizer

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é preciso dizer
que não há mais nada a celebrar
nem os homens
nem as ideias
nem o tempo
 
essa fenda
que te atravessava a vida
esse rasgão generoso
que te aproximava os céus
fechou-se
 
estás perante o escuro silêncio
das coisas mortas
 
não abandones os espelhos
 
ainda que quebrados
eles são o palácio derradeiro
o último jardim
a gota impossível
de secar
 
guarda aí a semente
as palavras
as vozes
as imagens
 
porque o amor
é um minucioso trabalho do tempo
em direcção à morte
 
 


gil t. sousa
falso lugar
2004
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30 maio 2011

gil t. sousa / marés

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Os dias sucedem-se como marés, espraiam-se como portas nesse palácio absurdo que é a vida. Cada uma encerra a surpresa do futuro ou a agressão violenta do passado, numa desordem que nos domina sempre na razão inversa da vontade e do desejo.

Há pontos no tempo que são como lupas apontadas à minúcia desse caos. E é por aí que a loucura ronda e nos seduz ao limiar dos abismos, numa espécie de sonolência inocente onde todos os pensamentos concorrem para a realização desse vitral que é a alma: domínio de todas as sombras e de todos os brilhos.




gil t. sousa
falso lugar
2004
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08 abril 2011

gil t. sousa / esperar pelos dias

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esperar pelos dias,
pela serpente dos dias.

esperar que no cimo do tempo,
no veneno do tempo,

se transfigure o mundo.




gil t. sousa
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2004
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05 março 2011

gil t. sousa / esse dom de cegar




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quisera tão só esse dom de cegar,
de luz trespassar as noites
e no ventre do mundo correr mansamente

como se os navios chamassem
e um oceano morresse no vazio dos passos,
como se fosse a hora de me transformar numa ilha
onde só tu naufragasses





gil t. sousa
falso lugar
2004





12 fevereiro 2011

gil t. sousa / os que se perderam





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que rebentem estradas
sob os pés
dos que se perderam

que nos seus olhos gelados
cresçam fogueiras

*

que o silêncio se curve
como um animal sem voz






gil t. sousa
falso lugar
2004