. . . 35 é preciso dizer que não há mais nada a celebrar nem os homens nem as ideias nem o tempo essa fenda que te atravessava a vida esse rasgão generoso que te aproximava os céus fechou-se estás perante o escuro silêncio das coisas mortas não abandones os espelhos ainda que quebrados eles são o palácio derradeiro o último jardim a gota impossível de secar guarda aí a semente as palavras as vozes as imagens porque o amor é um minucioso trabalho do tempo em direcção à morte
Os dias sucedem-se como marés, espraiam-se como portas nesse palácio absurdo que é a vida. Cada uma encerra a surpresa do futuro ou a agressão violenta do passado, numa desordem que nos domina sempre na razão inversa da vontade e do desejo.
Há pontos no tempo que são como lupas apontadas à minúcia desse caos. E é por aí que a loucura ronda e nos seduz ao limiar dos abismos, numa espécie de sonolência inocente onde todos os pensamentos concorrem para a realização desse vitral que é a alma: domínio de todas as sombras e de todos os brilhos.