Em quem pensar, agora, senão em ti? Tu, que 
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a 
manhã da minha noite. É verdade que te podia 
dizer: «Como é mais fácil deixar que as coisas 
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos 
apenas dentro de nós próprios?» Mas ensinaste-me 
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou, 
até sermos um apenas no amor que nos une, 
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor: 
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua 
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo 
esse que mal corria quando por ele passámos, 
subindo a margem em que descobri o sentido 
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo 
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor, 
de chegar antes de ti para te ver chegar: com 
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água 
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu: 
a primavera luminosa da minha expectativa, 
a mais certa certeza de que gosto de ti, como 
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste. 
nuno júdice
pedro, lembrando inês
as  vozes do silêncio
edições apuro
2017
