5.
O discurso de amor é, normalmente, um envelope liso
colado à Imagem, uma luva macia que rodeia o ser amado. É um discurso devoto,
cheio de bons sentimentos. Quando a Imagem se altera, dilacera-se a capa de
devoção; um tremor modifica a minha própria linguagem. Ferido por uma motivação
que surpreende, Werther encara de repente Carlota como uma espécie de comadre,
incluindo-a no grupo das companheiras com quem ela tagarela (ela já não é a
outra mas sim uma outra entre outras) e diz então desdenhosamente: «minhas
mulherzinhas» (meine Weibchen). Uma blasfémia assoma bruscamente aos lábios
do sujeito e vem destruir a bênção do apaixonado; está possesso de um demónio
que fala pela sua boca, de onde saem, como nos contos de fadas, não flores, mas
sapos. Horrível refluxo da Imagem. (o horror da destruição é a angústia de
perder.)
roland
barthes
fragmentos de
um discurso amoroso
trad. isabel pascoal
edições 70
2017
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