Os meus mortos e eu pensamos,
nesta insónia chuvosa de Nova Iorque,
na vida efémera, no azar que é respirar
aqui ou em qualquer outro sítio.
Os meus mortos e eu
vemos de um décimo sexto andar
a madrugada acesa
por algumas luzes no edifício em frente,
e ouvimos as sirenes dos automóveis ao longe:
polícias ou ambulâncias que levam a vivos ou a mortos
de um lado para outro, enquanto a cidade dorme.
Os meus mortos e eu não temos saudades uns dos outros
neste silêncio inventado da memória,
gaveta para as cartas nunca enviadas
e que se reescrevem pelo amor de sentir a ausência
cada dia de forma diferente, para que não acabe por apodrecer.
Os meus mortos e eu pensamos
recluir-nos no passado
apenas para não ficarmos sozinhos.
toni montesinos gilbert
poesia espanhola, anos 90
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
2000
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