Um velho escritor ganhara o hábito de escrever a
palavra FIM num papel antes de começar as suas histórias, posto o que juntava
uma resma de folhas, normalmente fina no Inverno quando a luz do dia era breve,
e espessa, por comparação, no Verão quando o seu pensamento se tornava outra
vez solto e associativo, expansivo como o pensamento de um jovem. Independentemente
da quantidade, colocava essas folhas em branco sobre a última, escondendo-a de
tal forma. Só então é que lhe vinha a história, casta e refinada no Inverno,
mais livre no Verão. Com este método tornara-se um mestre reconhecido.
Trabalhava de preferência numa divisão sem
relógios, confiando na luz para lhe dizer quando terminava o dia. No Verão,
gostava da janela aberta. Então como é que, no Verão, o vento de Inverno
entrava nessa assoalhada? Pois é, gritou ele ao vento, é isto que me tem
faltado, esta determinação e rispidez, esta surpresa – Oh, se o pudesse fazer,
seria um deus! E deitou-se no chão frio do escritório, a ver o vento voltar os
papéis, a misturar o escrito e o que estava por escrever, entre eles o fim.
louise glück
noite virtuosa e fiel
tradução de margarida vale de gato
relógio d´água
2021