Mostrar mensagens com a etiqueta concha garcia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta concha garcia. Mostrar todas as mensagens

11 maio 2023

concha garcía / um gesto útil

 
 
Nove em cada dez vezes
da pouca juventude que resta
meto-me no fundo, simulo
que o negro é uma luz
e no seu reflexo olho pontos mortos.
Uma mulher que escreve um verso
afunda-se na palavra, pisca os olhos
diante de uma cintilação pergunta-se
se tal como ela esquece
também os outros esquecem.
 
 
 
concha garcía
ayer y calles
poesia espanhola de agora vol. I
tradução de joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997



29 junho 2022

concha garcía / esse outro dia

 
 
Eu dantes vivia num andar avarandado.
Depois vivi noutro andar avarandado. Tive três.
Três andares. Os táxis não eram demasiado caros.
Voltar a cabeça para ver outra rua não tinha nada
de especial. Em cada um dos três andares
tive um amante e amei como nunca.
Amei tanto que não podia suportar as varandas
sozinha e tive de recordar varandas, tive
de criar com varandas, tive de mudar-me
para outro andar sem varandas. E não desejo
amar ninguém, o meu desejo cansa-se. O meu desejo
já não suporta andares avarandados.
Estou sentada numa cadeira. Tenho em frente
a televisão. Olho para ela. Não a vejo. Olho para ela.
 
 
 
concha garcía
pormenor
poesia espanhola de agora vol. I
tradução de joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1997




31 janeiro 2013

concha garcía / h. h. despede-se





Sou redonda e pouco bela.

A natureza concedeu-me
Uma leve camada de pele
Que se alegra de sol.

Esfolam os animais
dotados varões que nas suas mãos
contabilizam a sorte
num promontório de sábios.

A minha mãe é a mesma da fotografia.
Não se queixa do frio
E lamenta-se das escadas
Que sobe para a igreja
Húmida nos cânticos, lenços
Hasteados. Chora o quarto
Da fotografia. É um poeta
Com vários filhos. Diz
Que quando perdes alguém nunca
É exactamente
A mesma pessoa quem regressa.




concha garcía
la rambla
córdoba
1956
(versão minha)