Abrir as portas da noite. Um sonho que equivale a
abrir as portas do mar. A torrente afogaria o temerário.
*
Mas , para o lado do homem, as portas abrem-se de
par em par. Corre o seu sangue como o seu pesar, e a sua coragem de viver
apesar da miséria, contra a miséria, brilha no pavimento enlameado, engendrando
prodígios.
*
Não é maravilha nenhuma habitar entre Barbés e La
Villette. Nunca me queixei. Para me aborrecer ia a outros lugares, e o meu desejo
de outros lugares não tinha então limite. Teria eu realmente necessidade de me
aborrecer? Teria eu realmente necessidade de partir para as ilhas com a secreta
esperança de esperar aí, com paciência, a morte? Imaginei-o porque fechava os
olhos sobre mim. A minha juventude causava-me algum medo.
*
No meu bonito bairro, entre Barbés e La Villette, é
honroso viver. E por toda a parte poderia a felicidade ter lugar. O único
obstáculo é o tempo, o tempo de morrer. Antes da noite total, dentro da noite
furtiva, poderemos ver, teremos o tempo de ver, de nos iluminarmos?
*
No meu bonito bairro, há homens que adquirem sem
cessar o direito a tratar da sua vida – e não o fazem, o direito a serem belos –
e, quando se olham ao espelho, encolhem os ombros – o direito a punir e a
perdoar, o direito a repousar, a amar e ser amado, porque o mereceram. Sabem que
as suas ruas não são becos sem saída e estendem desesperadamente a mão para se
unirem a todos os seus semelhantes.
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No meu bonito bairro, a resistência é o amor, é a
vida. A mulher, a criança, são tesoiros. E o destino é um vagabundo a quem
serão queimados, à luz do dia, os andrajos, os bichos e a estupidez rapace.
paul éluard
poemas políticos
trad. carlos grifo
editorial presença
1971