6 de dezembro de 1938
A velhice – ou a maturidade desce também sobre o
mundo exterior. A rígida e transparente noite invernal, que desenha as
silhuetas das casas num céu que espere a neve, tocava outrora o coração e abria
um mundo de angústia heroica.
Com o tempo, não é necessário movermo-nos no mundo
exterior para vivermos a angústia que ele provoca: basta um rápido aceno, saber
que existe e existe em nós, e esperar um mundo inteiramente feito de vida
interior, que adquiriu agora a novidade e a fecundidade da Natureza. A maturidade
é também o seguinte: não procurar fora, mas deixar que fale, com o seu ritmo
(que é o único que conta), a vida interior. Daqui em diante, o mundo exterior é
material e pobre perante a inesperada e profunda autoridade das recordações. Também
o nosso sangue e o nosso corpo amadureceram e ficaram impregnados de
espiritualidade, de ritmo largo.
Renasce, como corolário, o antigo pensamento de que
o génio é fecundidade ─ oitenta tragédias, vinte romances, trinta óperas, etc. porque
o génio não é descobrir um tema exterior e dar-lhe um tratamento literário
brilhante, mas conseguir finalmente possuir a nossa própria experiência, o
nosso próprio corpo, as nossas próprias recordações, o nosso próprio ritmo ─ e exprimir, exprimir este ritmo, fora dos
limites dos enredos, da matéria, na perene fecundidade de um pensamento que,
por definição, não tem fundo.
A juventude não tem génio e não é fecunda.
cesare pavese
o ofício de viver - diário
(1935-1950)
trad. alfredo amorim
relógio d´água
2004