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Não sou vaidosa. Sou contente, sou feliz e
agradecida dos meus dotes de coração, dos meus talentos, da luz dos meus olhos,
da saúde física, do vigor moral. Bens momentâneos – bem o sei. Valores falíveis
e facilmente dispersos no tempo. mas é nesta alegria, nesta exaltação vital,
que está o meu cântico à vida – humano e, contudo, esplêndido, divino e,
contudo, humilde.*
Eu não sou justa, ajuízo as coisas. Eu e a justiça
somos pura coincidência; o facto de isto se repetir faz talvez o prodígio, mas
não a certeza.*
Nunca me senti cansada a descrever o humano,
precisamente porque participo de tudo o que é humano. Nunca me senti marcada em
misteriosa contradição com o comum dos outros, nunca experimentei o sentimento de
estar à parte, de estar isolada. Eu consigo participar da despreocupação dos
momentos vividos, e posso revelá-los pela palavra, sem que eles de alterem e se
intensifiquem pela observação.*
Minha obra é
portuguesa, constituída por sentimento e gente portuguesa até à medula.*
Tudo o que eu escrevo se destina a interessar as
pessoas na sua própria entidade. Daí, muitas vezes, ela ter um efeito
devastador, a obra e a pessoa que a produz. Sobretudo a pessoa, devo dizer. Eu desmarco
os outros da rotina, espanto a manada. Depois os efeitos são maravilhosos,
combinam com a imortalidade.*
Se eu não sou poética, apesar de dizerem que sou,
cada vez com mais veemência e singular teimosia sei descobrir nas coisas comuns
uma directa via que as leva ao coração, que as torna capazes de serem mais
doces do que a lírica mais melodiosa.*
Não quero como assunto nada de extravagante, mesmo
com timbre de lírico. Não quero brilhar, nem convencer, coisa que os poetas
querem muitas vezes. Quero ser sóbria de palavras, constante de gratidão,
verídica de fidelidade para quem confia em mim.*
Para mim é fácil ser verdadeira quanto à minha
insinceridade.dicionário imperfeito
guimarães editores
2008