Às vezes penso em emigrar. É uma tendência fatal
dos Portugueses que se manifesta desde o primeiro bocejo; só que um é de fome e
outro de puro aborrecimento: um sugere-o a contracção do estômago onde se
digerem côdeas e couve galega; outro, a mente em que se arrefecem pensamentos e
suas consolações. Por isso, por esta inclinação movediça, a nossa cultura é
estrangeirada; não se recorre ao sabor pátrio, de tanto que ele se traduz em
humilhação e impedimento. Mas vai eu, em tentação de romper com muitas amizades,
que em serem inimigas me dariam mais proveito, estabeleço planos tão bem
gizados que, a traduzirem estratégia guerreira, já tinha por camaradas Aníbal e
Alexandre. Todavia, há sempre um nada que me assombra e imobiliza. Não é o
respeito por coisas famosas, a História e os grandes cá da terra. São coisas
pequenas, devoradoras da paz se as temos por distantes: um dia de chuva na
Primavera, com aqueles campos acima do Ave, crivados de malmequer amarelo,
desse de que se faziam colares, com cheiro ácido, de botica. […] Às vezes penso, é certo,
em emigrar. Entre os que se entendem há demasiada claridade. E preferimos
incertezas vulgares a tácitas indiscrições, de gente vizinha e, no geral,
amiga. Mas depois mudamos de ideia.
agustina
bessa-luís
dicionário
imperfeito
guimarães editores
2008
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