07 abril 2015

cesare pavese / a velhice – ou a maturidade…



6 de dezembro de 1938

A velhice – ou a maturidade desce também sobre o mundo exterior. A rígida e transparente noite invernal, que desenha as silhuetas das casas num céu que espere a neve, tocava outrora o coração e abria um mundo de angústia heroica.

Com o tempo, não é necessário movermo-nos no mundo exterior para vivermos a angústia que ele provoca: basta um rápido aceno, saber que existe e existe em nós, e esperar um mundo inteiramente feito de vida interior, que adquiriu agora a novidade e a fecundidade da Natureza. A maturidade é também o seguinte: não procurar fora, mas deixar que fale, com o seu ritmo (que é o único que conta), a vida interior. Daqui em diante, o mundo exterior é material e pobre perante a inesperada e profunda autoridade das recordações. Também o nosso sangue e o nosso corpo amadureceram e ficaram impregnados de espiritualidade, de ritmo largo.

Renasce, como corolário, o antigo pensamento de que o génio é fecundidade ─ oitenta tragédias, vinte romances, trinta óperas, etc. porque o génio não é descobrir um tema exterior e dar-lhe um tratamento literário brilhante, mas conseguir finalmente possuir a nossa própria experiência, o nosso próprio corpo, as nossas próprias recordações, o nosso próprio ritmo ─  e exprimir, exprimir este ritmo, fora dos limites dos enredos, da matéria, na perene fecundidade de um pensamento que, por definição, não tem fundo.

A juventude não tem génio e não é fecunda.


  

cesare pavese
o ofício de viver - diário (1935-1950)
trad. alfredo amorim
relógio d´água
2004




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