24 abril 2015

cruzeiro seixas / no silêncio sem pudor da luz e das engrenagens



No silêncio sem pudor da luz e das engrenagens
apavorado e demente
separo a noite do dia
misturo as recordações amarelecidas
com o cinzento do amanhã.

As mãos ficaram esquecidas nas tuas mãos
e como que adormecidas
fazem e desfazem a longuíssima trança dos sonhos
até que as nuvens vêm enfim
reconhecer a pederastia do Mar.

Ao crepúsculo
avançam as cavernas mais profundas
exibindo estalactites de lágrimas
descendo na profundidade de tinteiros de prata e ametista.

Galopam vertiginosamente as cadeiras pela imensa planície
e trémulos escutamos a espuma imaculada
o espaço das axilas ainda analfabeto
a coluna e as pálpebras ao fundo
tudo o que naufraga
arde       tomba
anónimo ilumina
e no interior mais recôndito das casas
sob o peso esverdeado das máquinas
se retira e liquefaz.

  

artur do cruzeiro seixas
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998




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