30 março 2015
helena maltez / mulher
13 julho 2008
é o vento que conversa
é o vento que conversa
nos astrais rudes da tua voz.
o perfil é terra sem alma.
acuras as esperanças
inflamam-se em labirintos.
o abismo é ensejo
no sorriso da ironia
um nome estranho demove o grito
saído das costas coagidas.
puro é o espaço úbere
no silencioso vulto
que louco repete
supostas virtudes
o espanto é figura na voz
de rostos sem nomes
coroados de leveza
ermo na noite, o vento irrompe
e é o impulsor do corpo!
l.maltez
27 fevereiro 2008
despidas, mas sempre belas!
simples, crescem pausadamente
adornadas de flores que darão frutos.
vestem-se de verde esperança
e nas suas folhas nascem pássaros
que cantam entre as manhãs e as árvores
onde vorazes se guardam os dias.
efémera a voz rasga por dentro
deixam desabar a resina,
e gritam à chuva negra,
o lamento de um amor irrecuperável
nas folhas que juncam o chão,
amarelecidas nos gemidos dos ventos.
olho-as na serenidade fria do dia
maravilhada vejo-as despidas
despidas, mas sempre belas!
l.maltez
17 setembro 2007
sentires
sobre os dedos caiem pensamentos
medos concentrados, razões, limites
nos limites ficam as paisagens redondas do dia
do dia caiem artérias fundidas,
abismos em cápsulas adormecidas.
lateja o brilho que toca na pedra.
ávido o coração fecha-se na soturna ausência
abrem-se sonhos frios
abandonados em corpos sem rosto,
imagens ilegíveis e desoladas
crescem próximas do vento.
a mistura da vida
é venenosa na miséria consentida
ao fundo erguem-se cidades
sísmicas
cardadas em teias de fumos
a casa é o corpo corroído
o caos da desordem
ou o fascínio do imprevisto.
o olhar recolhe singrando o mar
atento ao sobressalto nocturno.
obsessiva é a voz
nas horas que demoram a passar
l.maltez
29 maio 2007
sem medo…
entra o vento na alma.
coalha o poema dentro do corpo
e os dedos deixam de cantar.
param as horas na mente branca.
o riso salva o silêncio
na sombra dos olhos abissais.
cessa a vida calcada,
num livro envolto de miragens.
insignificante o negrume do desejo.
na areia enterra-se o prazer.
pestífero difuso da mágoa
de ser ameaça insuspeita
esquece o acaso inimigo
em dias de discernir ruídos.
o dia cansado senta-se
não há vacuidade no valor de base
da imaginação fluente.
os sonhos não têm peso
a linguagem da morte encalhou,
resta um corpo na poesia despida!
l.maltez
15 fevereiro 2007
sentires
saltei os dias, enquanto minha mãe embalava a máquina do tempo, tentando esquecer os gritos ruidosos. sentia o vai e vem acelerado da vida vazia, que guardava na memória das redes de secretos desejos. carregava nos ombros cactos. picavam-me a pele queimada pelo salitre. não havia dor, o sangue escorria como áscuas. a paixão perseguia um rasto agudo. fulgurava a pressão aterradora do sibilar da cobra pérfida, que atravessava o silêncio, da minha memória. saboreava no outro lado do dia, pitangas que colhia no quintal sem paredes. um rasto de esperma precário, fazia-me recordar erros em salas de tortura. senti-me um lugar. os sonhos transmitiam nevoeiros de palavras embaciadas mas hábeis. desnudava muda o ardor das manhãs. no espelho da casa onde vivia, as sombras tomavam formas de corpos rasgados de mim, enlaçados na sofreguidão do ciúme.
os pássaros com mangonha, debicavam a goiaba pútrida. estendi os dedos e toquei nas aves. sobre a mesa da sala, outras mãos, unidas nas sombras, filhas de estrelas escondidas e sem rostos. mãos que acariciavam o saber místico dos sentires. os dedos dançavam no brilho dos meus olhos, senti-os gélidos, extensos. olhei-os fixamente e saltavam miraculosas cores luminosas. feriu-me o gelo intenso da luz.
por fim, adormeci no sumo do fruto proibido.
entrei no engano das imagens...
l.maltez
29 novembro 2006
post it / l. maltez
acordas junto à sombra dos sentires
perdido no movimento azebre,
fulguras da tristura ocasional
de um tempo passado
sem prazer.
suave na sua mudez,
a terra olha-te em silêncio.
escutas a voz do perigo
entre o bem e o mal,
consegue pousar
do lado da luz
no frio que te dá ordens
do coração saltam feridas
devoradas pelo infinito
já nada sentes
embriagado na música inaudível,
expeles do teu corpo uma seiva amarga,
e imploras para renascer
de um ventre sem rosto
aguardas na praia que a maré vaze,
encontro-te...
dou-te a minha mão!
l.maltez
29 maio 2006
post it / l. maltez
o dia chegou puro.
os olhares falavam num silêncio
onde as palavras tinham todas um nome
e a eternidade se fechava sobre um corpo
parado nas águas, entre os espaços
para assistirem ao nascimento das árvores
o grito do verão ressoava entre formas mudas,
delicadas, impregnadas de delírios imaginários.
alguém parte o silêncio e o transforma
em sons vergados, sensíveis às palavras vivas,
atrás fica uma vida, remexida desabaladamente
numa leveza, estrangulada entre dedos
olhares bailam enfeitiçados sobre as áscuas...
murmuram ao longe, frases ríspidas e frias
o vento arrasta soprando as vozes em pedaços,
agarrando a vida, que deseja invencível
lento, leve e moroso deixa respirar o dia.
mergulha na alegria suplicante da voz
onde ardem, na alma, chamas de desejo
assumido num jogo de amor único
escapa-se o pensamento, afunda-se
dentro da paixão voraz,
espelhada no sorriso dum peito aberto
o fio liga a veia, no abraço da morte
triunfante, a festa tornou-se imortal,
sufoca de júbilo,
entre palavras que passam a correr
o momento, amadurece na terra
cativo do nome que persegue...
l. maltez
20 março 2006
post it / l. maltez
no bater das portas
entrei no lado azul da noite
em silêncio pesado
tropecei na verde porta
com palavras embrionárias
flui da obscuridade
sem nome de gente
empurrei o verão
esquecida, na inocência do tempo
do lado de lá, disseminei aromas
na magia dos ventos desabridos
rostos sedentos,
aterrados,
suspirantes no sossego
duma noite, sem paisagem
transpirada de azul
voraz passa incandescente
a idade louca de um tempo
21 abril 2005
quatro estações #crónicas de primavera
acordei perplexa
como quem retém
a esperança no olhar
mesmo na margem
aparente do dia
envolvi-me no perfume
da madrugada difusa
e matizada de serenidade
anónima esperei por ti
na entrada da primavera,
e passo a passo
sei que chegas
pontualmente engalanada
exuberante de colorações
retorna o encanto
ressoa a imaginação
resiste assim a eternidade
as horas fluem pelo dia
com o cântico dos pássaros
deixo-te que abarques
este coração
que te aninhes nas recordações
onde a beleza se fixa
onde as paisagens são
horizontes emocionais.
abrigo no corpo o desejo...
emanado de ti
como uma sombra qualquer
l.maltez
17 fevereiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
beautiful solitude
manhãs frias
morrer lentamente
encostado às manhãs frias
com cheiro pestífero de corpos humedecidos
pelos fumos das noites ardidas
os ruídos entram pelas frinchas
e raspam as paredes macilentas
do quarto tíbio
sinuosas sombras bailam no silêncio
alteradas pelo ensejo
só, assumidamente
parei na fria manhã de qualquer lugar
expulsa de saudades
o rapaz que atravessa a rua
ausente das horas leves
mergulha no tempo vazio, sem nexo
como se carregasse o peso do dia
a respiração arrasta-se
pelas esquinas
num regresso ao isolamento
uma voz embalada enegrece na manhã
l.maltez
30 dezembro 2004
quatro estações #crónicas de inverno
cruzei-me contigo ontem no denso granizo da noite, a dureza do dia transformou secamente o rosto gasto dos silêncios das sombras. lembra-me o teu nome invernoso, negro e pesado, o vicio onde transformei as mãos amarelecidas e secas de tanto fomentar. não grites, já não te ouço, a tua voz é um eco delicioso eterno no silêncio das noites misturadas, a solidão é cega e fria.
falta-me o túnel do sono invencível. entras na companhia do vento inconcusso, um vento indiferente. os dias chegam ausentes, agasalhados nas asas de nuvens cinzentas, desarrumadas de imagens, ninguém corrompeu o sentimento do teu tempo e tu voltas sempre no mesmo dia à mesma hora.
guardo a imagem do sonho turbulento. o sonho que parece ser real, o ranger das portadas de madeira, o fragor dos vidros, onde escuto o crescer da maré, dobrado no arrepio ameaçador do inverno. a insistência em ficares envolvido nos tons cinzentos de olhar ameaçador, afogado nas águas estagnadas. guardo a solidão dos dias que trazes, sem tons, indecisos e repisados.
empurra-me deste frio que desanima e arrefece o corpo, deste inverno que me cansa.
l. maltez
28 outubro 2004
quatro estações #crónicas de outono
faz de conta que o tempo voou. estrangulou o dia, rasgando caminhos confusos da cidade invisível. depois enrosca-te na penumbra, afasta as sombras gravadas misteriosamente e entre insónias de horas perdidas, esquece-me pouco a pouco. desfaz as memórias e vai secando as ideias, encharcadas do perfume acumulado na raiva das minhas veias.
debruça o olhar no presente, abre a janela e engole as luzes das noites. saboreia cada sussurro oculto, nas horas que ouves na grande solidão. adormece na inquietude das paredes brancas, cheias de falsos sonhos, enquanto fugirei de mim silenciosamente. desce de novo os teus olhos, ao fascínio ardente da água teimosa, do mar que nos fez sentir vivos, numa prolongada espera.
é então tempo de caminhar, voar no esquecimento das emoções, partir sem som.
l.maltez
11 outubro 2004
quatro estações #crónicas de outono
não respondo
não respondo aos dias sem alvoroço, aos dias de ninguém. com um ar absorto, deixo o incómodo que consome essas manhãs. tudo acontece num tempo hostil, cheio de movimentos, onde a chuva ácida caminha lado a lado com a minha presença, em sonhos vindos dum fruto, derramando uma luz inconsistente. o cansaço aliado às mil exaltações inquietas, numa aventura de voltar a colher flores, ver de novo os pássaros prometerem dar vida às árvores, que teimam morrer, na clara afirmação extrovertida de promessas de vida.
a lucidez do olhar atravessa a distância e espera o bater duma porta.
l.maltez