Não sei como
dizer-te que minha voz te procura
  e a atenção começa a
florir, quando sucede a noite
  esplêndida e casta.
  Não sei o que dizer,
quando longamente teus pulsos
  se enchem de um
brilho precioso
  e estremeces como um
pensamento chegado. Quando,
  iniciado o campo, o
centeio imaturo ondula tocado
  pelo pressentir de
um tempo distante,
  e na terra crescida
os homens entoam a vindima
  - eu não sei como
dizer-te que cem ideias,
  dentro de mim, te
procuram.
  Quando as folhas de
melancolia arrefecem com astros
  ao lado do espaço
  e o coração é uma
semente inventada
  em seu ascético
escuro e em seu turbilhão de um dia,
  tu arrebatas os
caminhos da minha solidão
  como se toda a minha
casa ardesse pousada na noite.
  - E então não sei o
que dizer
  junto à taça de
pedra do teu tão jovem silêncio.
  Quando as crianças
acordam nas luas espantadas
  que às vezes se
despenham no meio do tempo
  - não sei como
dizer-te que a pureza,
  dentro de mim, te
procura.
  Durante a primavera
inteira aprendo
  os trevos, a água
sobrenatural, o leve e abstracto
  correr do espaço -
  e penso que vou
dizer algo cheio de razão,
  mas quando a sombra
cai da curva sôfrega
  dos meus lábios,
sinto que me falta
  um girassol, uma
pedra, uma ave -  qualquer
  coisa
extraordinária.
  Porque não sei como
dizer-te sem milagres
  Que dentro de mim é
o sol, o fruto,
  a criança, a água, o
deus, o leite, a mãe,
  o amor,
  que te procuram.
  
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996