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09 julho 2024

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)

 
 
 
7
 
OUVE bem o que faz
A pólvora explodindo.
 
Ouve bem o que faz
O frágil violino.
 
 
 
guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965
 




15 novembro 2022

eugéne guillevic / o gosto da paz (fragmento)

 



 
ROUXINOL, rouxinol,
Que temos um com o outro, rouxinol?
 
Um velho conflito, um caso muito antigo,
Rouxinol.
 
Uma história do tempo em que tu aparecias
Por entre as coisas demasiado belas.
 
E quem não ousava, rouxinol,
Quem não ousava acreditar nelas,
 
Em certas noites,
Em certos fins-de-dia?
 
Quem não ousava acreditar nelas,
Ao ouvir o teu canto que provoca a felicidade,
 
Que se arremessa contra o peso
E paredes derruba a caminho da alegria?
 
Rouxinol das noites, rouxinol
Dos fins-de –dia – e a lua
 
Recordas-te? entre as pedras
E a planície e tu,
 
O que tu nos dizias, rouxinol,
O que tu prometias,
 
Quando na estrada o ruído das patrulhas nazis
Não estava longe todavia.
 
Rouxinol, o teu canto, meu belo artista,
                                                     [rouxinol,
O teu canto que faz vogar o espaço em
                                          [em direcção ao tempo
 
Que já se não teme, em direcção ao tempo
Em que se enlaça o que mais se deseja,
 
Rouxinol, rouxinol, também a alegria
nos faz soluçar. E a lua lá está. No alto,
                                                     [a espiar,
 
A ver quando passam as patrulhas inimigas,
Enquanto continuas a cantar.
 
Que temos um com o outro,
Rouxinol?
 
Solucionado o velho conflito,
Voltei a fazer-te meu aliado.
 
Se tanto te evoco, rouxinol,
Se tu regressas como um remorso,
 
Se o teu canto, onda azul e amarela,
Tanto de mim exige,
 
Não será, rouxinol,
Por causa das noites e dos fins-de-dia,
 
Não será também
Por causa dos canhões,
 
Dos que continuam a cuspir metralha
Ou daqueles que apenas estão à espera?
 
Não será pelo facto de o teu canto
Poder vir a ser coberto,
 
Rouxinol, meu velho,
Pelo ruído das bombas
 
E pelo ruído alucinado do incêndio ateado
Através das herdades?
 
Rouxinol, o teu canto,
Recorda-te, meu velho,
 
Quando ela aí estava, tremendo também,
Por causa de ti, por causa de mim.
 
Rouxinol, o teu canto,
É dele agora que precisamos.
 
 
 
guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965
 



16 maio 2022

eugéne guillevic / montanhas




 

Teremos mesmo de deixar
no seu lugar
entregues à sua sorte,
Estas montanhas de terra,
Que no entanto têm formas de seios
E respiram
 
Teremos de deixar que formem
essa frente azul
Diante da qual passamos
 
Nós com a nossa fúria
E demasiada carne
 
 
 
guillevic
nervo/14 colectivo de poesia
maio/agosto 2022
tradução de yvette k. Centeno
 
 


26 agosto 2020

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)



6

NÃO temos margens, na verdade,
Nem tu nem eu.



guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965












17 março 2020

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)



5

SEJAMOS justos: sem ti
De que nos servia o espaço
E as rochas de que serviam?



guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965










27 janeiro 2020

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)


4

TENS qualquer coisa a ver
Com a noção de Deus,

Água que já não és água,
Poder desprovido de mãos e de instrumentos,

Peso sem emprego
Para quem o tempo não existe.



guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965






28 dezembro 2019

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)



2

ALGUM dia brincaremos,
Por uma hora que seja,
Nada mais que alguns minutos,
Oceano solene,

Sem que tenhas tu esse ar
De outra coisa te ocupar?



guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965








26 agosto 2019

eugéne guillevic / carnac (fragmentos)


1

MAR à beira do nada,
Que se mistura ao nada,

Para melhor saber o céu,
As praias, os rochedos,

Para melhor os receber.


guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965








25 novembro 2015

eugéne guillevic / variações sobre um dia de verão


Acariciar o verão
saber dele

O peso da alegria
Que suporta a mão.

     *

Caminhar na luz
Quase como se
Estivesses em casa.

     *

Ela vem de longe
Esta bebedeira

Que tem por dever
Abrir as fronteiras


eugéne guillevic
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de eugénio de andrade
assírio & alvim
2001



26 junho 2015

guillevic / carnac (fragmentos)



1

Mar à beira do nada,
Que se mistura ao nada,

Para melhor saber o céu,
As praias, os rochedos,

Para melhor os receber.


2

Algum dia brincaremos,
Por uma hora que seja,
Nada mais que alguns minutos,
Oceano solene,

Sem que tenhas tu esse ar
De outra coisa te ocupar?


3

Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixaram

Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.


4

Tem qualquer coisa a ver
Com a noção de Deus,

Água que já não és água,
Poder desprovido de mãos e de instrumentos,

Peso sem emprego
Para quem o tempo não existe.


5

Sejamos justos: sem ti
De que me servia o espaço
E as rochas de que serviam?


6

Não temos margens, na verdade,
Nem tu nem eu.


7

Ouve bem o que faz
A pólvora explodindo.

Ouve bem o que faz
O frágil violino.


8

Sei bem que há outros mares,
Mar do pescador,
Mar dos navegadores,
Mar dos marinheiros e guerreiros,
Mar dos que querem morrer no mar.

Não sou um dicionário,
Falo só de nós dois

E quando digo o mar
É sempre o de Carnac.


9

As mesmas terras sempre
A teres de acariciar.

Jamais um corpo novo
Que possas ensaiar.


10

As profundezas, que procuramos,
Serão as tuas?

As nossas têm poder de chama.


11

Demasiado largo
Para ser cavalgado.

Demasiado largo
Para ser estreitado.

E flácido.


12

Se acaso acreditas no valor dos sons
Deves sentir-te arrepiar
Só de ouvir este nome de mar.


13

Tu vais e vens
Mas dentro de limites

Fixados por uma lei
Que não chega a ser tua.

Nós temos em comum
A experiência do muro.


  

guillevic
carnac (1961)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003




25 maio 2014

guillevic / canção



Minha filha, o mar,
Já o adivinhaste,
Não é uma prenda
Que te possam dar.

Minha filha, a onda
É um outro mundo
Onde o pé se afunda
E ninguém responde.

O horizonte, filha,
É um grão-vizir
Que há-de receber-te
Quando o fores abrir.

Minha filha, o espinho,
Bem o viste já,
Só se torna amigo
Se nos maltratar.

Minha filha, a dança
Que posso ensinar-te
Nos teus olhos brilha
E hás-de segui-la.

E, filha, a esperança,
Mais forte que o mar,
Mais forte que o espinho,
A onda e a dança.



guillevic
chanson, gagner  (1949)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003






15 fevereiro 2014

guillevic / lição de coisas



O sangue é um líquido complicado
Que circula. É de um vermelho
Que aliás não se vê e que muda
Como uma planura sob várias luas.

O sangue contém corpos numerosos
Dos quais algumas pessoas sabem a fórmula.

É o nosso sangue. É ele
Que anda à volta, que volta,
Que alimenta.

O sangue derrama-se facilmente,
Basta-lhe apenas uma abertura.

O sangue de um morto por acidente
Não é o mesmo, na rua,

Que o de um morto pela liberdade,
Derramado na mesma rua.

Tem cada qual um modo particular
De ser vermelho e de gritar.




guillevic
leçon de choses, gagner (1949)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003




28 agosto 2013

guillevic / elegia




Bebemos às escondidas
Em copos intactos
Vinho que talvez
Fosse para nós.

Bebemos às escondidas
Por entre as turbas
Que se moviam para o sol.

Era à saída dos nossos labirintos
E faltava-nos firmeza nas mãos.

As delícias do azul reservavam-se para a colina,
o cimo das árvores
E o ocioso gavião.

Tivemos a nossa hora e julgámos possível
Proteger as planícies e o próprio espaço.

Amámos às escondidas
E soubemos que não pode curar-se
Em pouco tempo alegria excessiva.




guillevic
élégie, fxécutoire (1947)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003


28 maio 2013

guillevic / coisas



Pratos de faiança, usados,
De onde o branco se escapa,
Viestes novos
Para nossa casa.

Aprendemos imenso
Desde esse tempo


  
guillevic
choses, terraqué (1942)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003




18 novembro 2012

guillevic / subúrbio


  

A custo de pé se mantêm os muros
Ao longo desta rua
Íngreme, cheia de curvas.

Dir-se-ia que vieram todos, os do bairro,
Enxugar as mãos gordurosas no rebordo das janelas,
Antes de em conjunto penetrarem na festa
Onde parecia cumprir-se o seu destino.

Vê-se um comboio a arrastar-se por cima da rua,
Vêem-se luzes a acender-se,
Vêem-se quartos sem espaço.

Por vezes uma criança chora
Na direcção do futuro.



guillevic
faubourg, terraqué (1942)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003



12 fevereiro 2012

guillevic / mais tu sais trop qu´on te prefere…




Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixam

Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.




guillevic
carnac (1961)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão-ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003



06 outubro 2010

guillevic / encore heureux…





I

Feliz ainda quem
Pode encontrar a porta
Chorar diante dela.







guillevic
sphère (1963)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003







02 setembro 2010

guillevic /discurso







Considerar que um novo corpo
É feito de um continente

Em que a areia e o vento
Pertencem a um século desconhecido.







guillevic
encloches (1971)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003