(…)
O fogo despe-se cada vez mais cheio de alegria alisado no vento de cada
poro da aurora
Começa-se a abrir o Sol em gotas de sangue tatuadas de esperma
Há uma flor de lava no fim de cada braço no fim de cada perna no fim
dos tempos
E uma chuva de cinzas e de espinhos caminha a meu lado onde começa o
mar das grandes lanças de água
É todo o teu ventre a cantar nas minas da catástrofe de noites sem
véus de rios que começam a vida de gestos no crepúsculo
São os teus olhos voando sobre os frutos da tempestade
É a cabeleira da Terra envenenando o ar de beleza ao ritmo alucinado
com que abres as pálpebras deixando sair os lagos da tua infância
e a luz louca da crisálida que nos gerou dissimulada em cada pedra
em cada cama onde morremos juntos
Chicote ronronando por cima de nós em noites desmedidas na coragem
de ver nascer uma nova manhã e uma nova estrada e uma nova boca incrível
Monstros sem ordem génios galopando na respiração estrelada dos meus
pulmões Primaveras a recolher numa outra vida numa outra vida amante
Olhar suculento mestre do horror e da audácia gelada em cada canto em
cada flor de fumo colada aos ossos dum horizonte inocente e inesgotável
Poeira dum astro pré-existente ao nosso espiral dos dias que estreitamos
puros tripas da raiva vegetal que embrulhamos em cada palavra
Fogo perpétuo fruto espantoso de bandeiras negras e vermelhas comboio
que esmaga e canta e ninguém deterá
Fuzis do hálito esbraseado danados embraiados num sinal nos ares num
sinal vermelho
Na cinta a pistola de cada injustiça nas costas a metralhadora da
porrada que nos deram no bolso um chacal a sorrir-nos no sexo tu
Tu meu avião de vinho minha rã no cérebro meu castelo de múmias
minha jovem eterna de mãos de radium minha fonte que enche a boca de estrelas
meu grande ventre de movimentos marítimos meu incêndio possuído numa cama de meteoros
meu sopro de todas as potências minhas costas de Mar e de Terra
minhas coxas de deboche minha mulher de movimentos de fuzilamento de movimentos loucos
minha flor de sangue de ferro de esperma minha destruição luminosa
minhas nádegas de noite e de loucura
MEU AMOR
Habito a lealdade dos presságios
Começo a ser um bom leito para o meu sangue
(…)
ernesto sampaio
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
de perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998