Bom dia, Senhores, boa noite, Minhas Senhoras e Companhia do Gás. Senhor Presidente, estou às suas ordens, tenho um chapéu tricorne negro na minha bicicleta. Puseram o gato, o cão, a minha mãe e o meu pai, os meus filhos, a águia na sua carrocinha, puseram os espécimes pobres no furgão, cujos eixos giram, giram e giram. De uma ponta à outra, as agulhas caem como feridas à sabrada. O cemitério está na ponta da aldeia perto da câmara municipal. Aí está o que não é para reatar as cadeias da família em tempo de fome.
O cocorocó das elegantes anima as alíneas dos escrivães. Existe ali Lamartine que dormia num estandarte em cima da carreta de urna garupa de lebre a toda a velocidade, existia lá Bazaine que ia entregar Sedan a César. Tu, por exemplo, não estás lá: tu tens um regador, tens uma perna cortada, isso sorna duas pernas que eu salto no mês de Janeiro. Em Fevereiro colho as favas. Em 1930 vivo dos meus rendimentos.
Atingido por uma insolação no alto do céu, o Parisiense acaba por armar uma rede de patos. Não se grita por socorro, mas auréola, e a dignidade encontra-se nela bem. Tenho processos absolutamente seguros para colher o feno do fauno. Um massagista ofereceu-me uma amassadeira. É para as reler ao canto da lareira que trago comigo as obras dos Titãs e dos Tântalos. Não tenho necessidade de os mencionar no inventário das minhas invenções. A pintura faz-se notada. Respeito Monsieur Courbet, Monsieur Ingres fatiga-me. Foices eclipsam a meus olhos a couraça. Aqui, a propósito disto, avisei os gendarmes: não sacrificamos jogos de cartas à pequena preguiça; não é uma razão para estarmos enforcados em corvos com vinte metros de altura, para irmos gritar «Arre» às árvores mortas.
O casamento de Maria consumou-se no meio de um transbordamento de suspiro. Foi preciso separar o construtor da sua obra. Ele misturava demasiadas arquitecturas a esta carcaça de tijolos que ceifa as sanguessugas nas belas tardes de Verão. O ventre conserva-se inteiramente vivo na mão. Eu gosto de estar deitado sobre o ventre, com a condição de não ser sempre o meu., bem entendido. As mulheres são mãos pequeninas em Paris e mãos grandes no campo. Comem os pardais no Luxemburgo. Não compreendo o esperanto mas acho que a esperança desordenada começa por si mesma. Aposto urna bexiga contra uma lanterna de um gato-pingado em como não existe a eternidade. A eternidade é o éter e mais nada. Fiz os meus estudos em casa de uni advogado que me dizia: Nunca confesse. Na junta de saúde fui reformado pela visão.
Possuo um pavilhão de caça. Uma porta de verdura fecha a herdade de uma ponta a outra. Eu recolho as apostas. O quinteiro tem um chapéu que eu usei, é uma oferta da quinteira. No fundo do chapéu há o meu retrato com os pés no ar (pois é o chapéu quem olha). As crianças que brincam à volta deles apanham bofetadas. Se se batesse o sangue como se bate o leite, iriam fazer-se observações. Bismarck dizia-me no outro dia: «Agarra o teu tempo, que eu apanhei bem a Alsácia.» Bebemos uma taça de champanhe no Champ-do-Mars. O florista que espezinha os canteiros espezinha as áleas. Para a caça que ele leva levantam patíbulos de forca.
Não tenho como finalidade senão o símbolo da oração que dirijo todas as tardes, à minha meca. A bárbara pede perdão. Tiro o meu prazer da barba à imperial onde o encontro. A feitiçaria é uma devassidão que desemboca na sala de lavores, a obra de caridade. Se me rio é por causa da alva nos joelhos, uma bela carapuça de piolhos em cima da cabeça. O filho de Louise mudou a espingarda de ombro. Ele não cumpre dos seus deveres militares senão
o estritamente necessário: o capacete. Fraternizar igualmente com sua irmã.
Escrevo desenho, tenho boca de lobo, tenho a minha mulher comigo na minha cama, mesmo quando estou de pé. Ela trabalha para mim a entregar-se a todos os prazeres. Dou-lhe o seio assim como aos filhos que afago no ângulo. Ao mais pequeno chamo São Tomás, o pequeno São Tomás, e à maior; Primavera. É muito bonito. Toda a gente me felicita. Fiz com que fizesse a primeira comunhão em cima do balcão com um biscoito. Isto é o meu sangue, explicava-lhes eu. Depois comemos bacalhau salgado debaixo das franjas do candeeiro. E meti-os num colégio. Há mais de dez anos que não tenho notícias deles. Quem sabe se a pequena não se casou e divorciou. Minha mãe casou-se com o Xá da Pérsia, alugaram uma loja em Passy, uma espécie de casa de passe com passagem de nível para os homens sós. O xá chega cedo ao castelo, minha mãe é furta-cores.
Trago comigo uma canção que as raparigas gostam de cantar, eu empresto-a. Em troca elas confiam-me o seu primeiro livro de valor que lhes foi entregue com uma coroa seca. Recuso assinar os beijos que elas me dão. Faço-lhes sinal para terem paciência. Já não tenho idade de ter horror pela tempestade. Na nossa cama, tocamos a quatro mãos uma ária de Luili que nunca li na cama, a Paiva penteia-se a tomar banho, romanza, e também a ária da Viúva às escuras. Eu arrasto os sobejos de reconhecimento para os sorrisos que brilham à minha volta. Não me detenho com precauções inúteis.Suporto o fardo que me deram porque é quente mas só me preocupo com as ninfas. Há uma que esconde uma fonte no sovaco. Os oleiros à noite ali vão procurar a cor fugitiva.
Um dia disse para mim: O que faz esta chave na minha algibeira? Fui então a Mans ver Clemenceau. Disse-lhe: «Sabe o que esta chave faz na minha algibeira?» Ele pôs-me um olho negro e eu tive de ficar de guarda à Câmara dos Deputados durante vinte e quatro horas. Roubei a fechadura, depois de me ter certificado que estava realmente à temperatura da Câmara. Com medo que o Presidente se escondesse com as consequências deste incidente, mandei dourar seis dentes e apanhei um balão para voltar a casa. No balão encontro Gambetta. Digo-lhe: «Sabe O que faz este balão no céu?» Ele atira-me pela borda fora mas o meu cerco estava feito havia muito tempo. Era o cerco de Paris. Assino a paz e vou buscar o papel mata-borrão aos Inválidos. Na esplanada encontro Madame Curie que volta das corridas. Digo-lhe «Não tem vergonha de correr assim na sua idade?» Ela empresta-mo o seu cavalo e eis que chegamos ao seu ranch, faubourg Saint-Germain. Ali fizemos experiências de germinação espontânea. Entendia-me bem com Pasteur mas a sua irmã fez quanto pôde para me tornar a vida impossível. Dormia com um olho aberto e outro fechado. Urna noite, a aia percebeu que, muito habilmente eu a via a despir-se. Gritou tanto que toda a gente apareceu e se lançou sobre mim para me forçar a partir.
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Agora não me meto em mais nada, embora a guerra tenha acabado. Deito-me debaixo das pontes dos rios sem água cortados pela chuva, já não agradarei a ninguém, já não sou eu sequer quem está na minha mala de porco, não tenho fome, não tenho medo: cobarde de mais para ter medo, comilão de mais para comer. Fui eu quem tive de amputar a mulher do sexo do homem com o pretexto de cirurgia estética. Estou mais acabado que um folhetim. Ninguém se daria ao trabalho de me dar trabalhos. Estou magro como um cepo que só tem a sombra da sua única folha. Sou realmente um qualquer, arrasto-me sobre os fechos da minha janela, deviam abater-me com assobios deviam prestar-me o imenso serviço de se servirem do meu pé para pé de mesa.
andre breton e paul éluard
as possessões
a imaculada concepção
tradução franco de sousa
estúdios cor
1972
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