Os autores têm o escrúpulo de garantir a lealdade absoluta da iniciativa que para eles consiste em submeter, tanto aos especialistas como aos profanos, as cinco seguintes tentativas, nas quais a menor possibilidade de empréstimo dos textos clínicos ou de imitação mais ou menos hábil desses mesmos textos bastaria evidentemente para fazer perder toda a razão de ser, para as privar de toda a eficácia.
Longe de sacrificar por gosto ao pitoresco ao adoptar sucessivamente, com confiança, as várias linguagens usadas, com ou sem razão, pelas mais inadequadas ao seu objecto, sem mesmo se satisfazerem em conseguir um real efeito de curiosidade, esperam, por um lado, provar que o espírito, erigido poeticamente no homem normal, é capaz de reproduzir nos seus grandes traços as manifestações verbais mais paradoxais, mais excêntricas, que está no poder deste espírito submeter-se pela sua vontade às principais ideias delirantes sem que nele exista uma perturbação durável, sem que isso em nada seja susceptível de comprometer a sua faculdade de equilíbrio. De resto, não se trata de maneira alguma de conjecturar acerca da perfeita verosimilhança destes falsos estados mentais, sendo o essencial fazer pensar que com alguma preparação se poderiam tornar perfeitamente verosímeis. Que se faria então das categorias orgulhosas nas quais se divertem a fazer entrar os homens que tiveram as suas contas a ajustar com a razão humana, esta mesmo razão que quotidianamente nos nega o direito de nos exprimirmos pelos meios que nos são instintivos. Se posso sucessivamente fazer falar pela minha própria boca o ser mais rico e o ser mais pobre do mundo, o cego e o alucinado, o ser mais receoso e o ser mais ameaçador, como iria eu admitir que esta voz, que, em definitivo, é unicamente a minha, me venha de pontos mesmo provisoriamente condenados, de pontos onde, com o comum dos mortais, tenho de desesperar de ter acesso.
Não nos ofendemos por permitir por outro lado, a confrontação destas cerca de trinta páginas, na elaboração das quais presidiram certas intenções confusíonais, com os outras páginas deste livro e as páginas doutros livros definidos como surrealistas. Tendo o conceito de simulação em medicina mental o seu curso quase só em tempo de guerra e cedendo o lugar, de outra forma, ao de «sobre-simulação» esperamos impacientemente saber em que base mórbida os juízes competentes na matéria estarão de acordo em dizer que operámos.
Enfim declaramos ter-nos agradado muito especialmente, este novo exercício do nosso pensamento. Por ele, em nós, ganhámos consciência de recursos até então insuspeitados. Sem prejuízo das conquistas que anuncia em relação à mais elevada liberdade, consideramo-lo, dentro do ponto de vista da poética moderna, como um notável critério. Basta dizer que proporíamos como de toda a vantagem a sua generalização e que, a nossos olhos, a «tentativa de simulação» de doenças que encerra substituiria vantajosamente a balada, o soneto, a epopeia, o poema sem pés nem cabeça e outros géneros caducos.
andre breton e paul éluarda imaculada concepçãotradução franco de sousa
estúdios cor
1972