Hoje, o sol brilhava,
por isso a minha vizinha lavou as suas camisas de
noite no rio –
regressa a casa com tudo dobrado numa cesta,
radiante, como se tivesse acabado de ganhar
mais dez anos de vida. A limpeza fá-la feliz –
diz-nos que podemos recomeçar tudo outra vez,
não precisamos de ficar presos aos erros do
passado.
Uma boa vizinha – cada uma de nós deixa a outra
entregue à sua intimidade. Ainda agora
ela se pôs a cantar sozinha, pendurando a roupa
lavada e húmida no
arame.
Pouco a pouco, dias como este
irão parecer normais. Mas o Inverno foi duro:
as noites a começarem cedo, o amanhecer escuro,
com uma chuva cinzenta e persistente – meses disso,
e depois a neve, como silêncio caindo do céu,
obliterando árvores e jardins.
Hoje, tudo isso já vai longe para nós.
Os pássaros estão de volta, a chilrear em torno das
sementes.
A neve derreteu; as árvores de fruto estão
carregadas de nova e
aveludada
colheita.
Uns quantos casais até passeiam pelo prado, fazendo
as promessas
que são
as deles.
Deixamo-nos ficar ao sol e o sol cura-nos.
Não tem pressa de ir embora. Permanece suspenso
sobre nós, imóvel,
como um actor satisfeito com o seu acolhimento.
A minha vizinha fica em silêncio por instantes,
a olhar fixamente para a montanha, a ouvir os
pássaros.
Tantas peças de roupa, de onde terão vindo?
E a minha vizinha ainda está lá fora,
a pendurá-las no arame, como se a cesta jamais
ficasse vazia –
Continua cheia, nada acabou ainda,
embora o Sol comece a deslocar-se mais abaixo do
céu:
ainda não é Verão, lembremo-nos, é só o princípio
da Primavera;
o calor ainda não veio para ficar, e o frio
aproxima-se –
Ela sente isso, como se a última peça de roupa
branca congelasse nas
suas mãos.
Ela olha para as mãos – vê como estão velhas. Não é
o princípio, é
o fim.
E os adultos, esses, já morreram todos.
Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer.
louise glück
uma vida de aldeia
tradução de frederico pedreira
relógio d´água
2021