que Raul Brandão
ousou contemplar
a máquina debulha trigo
na usura do grão, no ruído do pó,
ouvem-se queixas na ordália de espigas.
O gilvaz na cara por pragana
a pele morena cava trincheiras
no coração fugaz das raparigas,
safões sublinham elegância
na bainha dos ossos,
voraz beleza contamina ar
adensa a corrente da voz
tresmalha a fénix no rebanho do sangue.
Máscaras velam olhos,
protecção brutal dos que mergulham
perante tanto sol.
O suor imuniza a combustão,
salitre rasga, conserva, cauteriza,
jovens defuntos
no vinho da mastaba.
O Alentejo invade os enxames de cisco
de luz maligna,
a tarde vai-se desagregando
como um vitral perfeito,
o pólen fertiliza,
mirtilos do desejo
irrompem na lapela dos rapazes cansados
que extenuam os pés e acutilam na fronte
o tímpano da dor.
sem rasto
os frescos
averno
2021
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