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14 abril 2023

maria teresa horta / os outros

 
 
Despimo-nos dos outros
secamente
e devagar ficamos
enlaçados
 
Enquanto a noite voa
no seu vento
procuramos a paz fora do tempo
e a ternura a meio da madrugada
 
Quem foi que nos
deixou
uma certeza?
 
Quem foi que nos
disse
encantamento?
 
Quem foi que nos
leu
a nossa vida?
 
Quem foi que
acendeu
o pensamento?
 
Que viagem difícil
de regresso
 
Que objecto difícil
de repor
 
Que adiado veneno
não tomado
 
Que estranha tempestade
sem fragor
 
Despidos meu amor
dos outros tarde
mas sedentos de esperança
sempre cedo
 
Acusados
Suspeitos
Devassados
 
A fazermos amor
do nosso medo
 
 
 
maria teresa horta
poesia reunida
minha senhora de mim
dom quixote
2009
 



04 fevereiro 2023

maria teresa horta / por dentro da alegria

 
 
Já dentro da alegria
novamente a tristeza
 
A espuma do escuro
onde os ombros se acolhem
 
Os escolhos – os escombros
o dilúvio obscuro?
 
Que tempo me importa
onde os outros não olham?
 
 
 
maria teresa horta
poesia reunida
educação sentimental
dom quixote
2009





28 setembro 2022

maria teresa horta / devagar

 





 
Passeávamos devagar
pelos jardins
coleccionando nos olhos as estátuas
as árvores – o bronze
e o calor que existia no voo
de cada pássaro
 
Agarrada à tua mão
ao teu casaco
sentia um medo solto de criança
sabendo naquilo que te dava
os outros viam
só caprichos brancos
 
e assim andávamos calados
rasgando cada dúvida
aos bocados
 
 
 
maria teresa horta
poesia reunida
candelabro
dom quixote
2009
 




03 maio 2022

maria isabel barreno / novas cartas portuguesas




 
 
Primeira Carta I
 
 
Pois que toda a literatura é uma longa carta a um interlocutor invisível, presente, possível ou futura paixão que liquidamos, alimentamos ou procuramos. E já foi dito que não interessa tanto o objecto, apenas pretexto, mas antes a paixão; e eu acrescento que não interessa tanto a paixão, apenas pretexto, mas antes o seu exercício.
 
Não será portanto necessário perguntarmo-nos se o que nos junta é paixão comum de exercícios diferentes, ou exercício comum de paixões diferentes. Porque só nos perguntaremos então qual o modo do nosso exercício, se nostalgia, se vingança. Sim, sem dúvida que nostalgia é também uma forma de vingança, e vingança uma forma de nostalgia; em ambos os casos procuramos o que não nos faria recuar; o que não nos faria destruir. Mas não deixa a paixão de ser a força e o exercício do seu sentido.
 
Só de nostalgias faremos uma irmandade e um convento, Soror Mariana das cinco cartas. Só de vinganças, faremos um Outubro, um Maio, e novo mês para cobrir o calendário. E de nós, o que faremos?
 
1/3/71



maria isabel barreno, maria teresa horta e
maria velho da costa
novas cartas portuguesas
futura
1974




 

 


 

28 agosto 2021

maria teresa horta / os lugares

 
 
Passei pelos lugares
que inventámos
 
o mar
o gesto
o parapeito
 
mas não encontrei
o sol
nem o recanto em seu espanto
 
nem o motivo
o vitral
nem a chama que colhemos
 
Apenas as estradas me indicavam
a rota das mãos que as não tocavam
 
 
 
 
maria teresa horta
poesia reunida
minha senhora de mim
dom quixote
2009






 

28 julho 2021

maria teresa horta / os silêncios

 
 
Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo
 
Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo que não
digo
 
Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei, não te persigo
 
Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo
 
 
 
maria teresa horta
poesia reunida
só de amor
dom quixote
2009

 





22 maio 2020

maria teresa horta / dias de agrura


capa: gil maia


Não sei o que mais
custa
nestes fins de tarde

de doença e mágoa

Se o animal do medo
que pé ante pé
nos tenta entrar em casa

se este silêncio imenso
que ao chegar da rua
aflige e atordoa

Nesta cidade triste
em que
se tornou Lisboa



maria teresa horta
nervo/8 janeiro/agosto 2020
colectivo de poesia
2020







05 janeiro 2020

maria teresa horta / mãe



mãe
terminou o tempo
de sorrir
desculpa-me a morte
das plantas

tatuei a tua antiga
imagem loura
em todos os pulsos
que anjos inclinam
de existires

perdi-me noite na planície
branca
sobrevivente das madrugadas
da memória

trocaram-me os dias
e as ruas de ancas
verticais
e nas minhas mãos incompletas
trouxe-te
um naufrágio de flores
cansadas
e o único jardim d´amor
que cultivei
de navios ancorados
ao espaço


maria teresa horta
espelho inicial
1960





14 março 2014

maria teresa horta / à tua espera



Tranquila e serena
a nossa casa
nos quatro cantos
o sol do meio-dia

à tua espera alegre
e descansada
injecto-me de amor às
escondidas

Sobre a garganta passo
os dedos espessos
e a roupa uma a uma
vai caindo

para que então amor
com os teus dedos
quando vieres me vás
depois vestindo



maria teresa horta
candelabro
1964



05 dezembro 2013

maria teresa horta / despedida



Amor mais do que
amor
vontade ou rasto

ainda mais que vício
espanto ou morte

tão cedo suicídio
ou o teu corpo

amor mais do que
dor
prazer ou tacto

  
maria teresa horta
amor habitado
1963



19 novembro 2013

maria teresa horta / inquietação



exijo-me inquieta
de sol
a intransigência
de qualquer cidade
penetrou-me
bastarda de mim mesma

igualdade repleta
de pesadelos
infinitamente brancos
o arrepio das árvores
nos ombros dos profetas

noites incompletas
onde me exijo
urgência


maria teresa horta
poesia 61
1961