(com o verão)
Ali mesmo onde o salitre ano após ano vai beijando
o estuque em desejos redondos de espuma seca. Ali onde num segundo entre
parêntesis, dois lábios mais quentes do que o ar ambiente se tocam quase sem
som, num até logo que podia ser escondido em avenidas de pétalas e fica feito
receptáculo, desventrando a rua.
A rua, essa carne sulcada de rodas e vestida de
janelas, que atravessa por ano tantas estações como qualquer mulher,
articula-se rodeando os meus pés de olhares cúmplice, cheios de sola e de
varão.
Beber o brilho súbito do beijo dos outros. Sentir a
ausência de gosto na ausência do beijo que os outros não se dão. Receber a
alegria que os tons de luz procuram em cada puxador de porta. A forma opaca e
dura de tantas mãos segurando chávenas de café escuro atrás de vidros atrás de
horas dentro de mãos.
Ia-se dizer uma piada, sente-se o eco, não se chega
a rir.
(vejo de longe o teu olho pintado. As tuas palavras
que entram na tarde, trocam mãos, constroem minutos com casitas de som e outras
de silêncio. Depois tocas objectos com ondas nas sobrancelhas e fogem-te os
olhos para a luz. Nos teus passos certos, alguma coisa que treme e tornas a segurar,
como um volante pequeno.)
Enquanto vou contando uma história diferente em
cada rosa vermelha. Adquirindo um tanto de optimismo, um tanto de azedume, em
doses pouco lógicas, sempre antes de uma rosa e depois de outra.
Na música, os meus olhos dão corridas de braços
abertos enchendo o chão de passos de todos os formatos, pernas sustendo corpos
que seguram olhos lançam corridas e depois se esquecem de lançar. Um riso
tímido corta o ar de queima-me. Crianças de pouco tamanho organizam explorações
a canteiros e tocam e retocam a terra juntando palmas de mãos.
manuel cintra
do lado de dentro
editorial presença
1981
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