marroquinos preenchiam tacinhas escacadas
com um doce cor-de-laranja suspeita
até às retretes com as paredes cheias
suponho que de palavrões em várias línguas
tudo era muito cosmopolita a casa
para mim bastante duvidosa ou talvez fosse só eu
que andasse suspeitosa nunca o saberei
lá não hei-de voltar
jamais no meu quarto começou por estar
uma americana que se não se chamava
Daisy pouco lhe faltava
fingia que lia Rich Man, Poor Man
gritava de noite à janela Shut up!
porque realmente saía muita gente
sempre em grita e riso do passage
de que esqueci o nome onde havia poeirentos
vidros azuis translúcidos salitre osgas
depois apareceu-me uma Stefania
que se dizia ruiva veneziana
e viver na Via Cava Aurelia
nunca acreditei em Roma
fazia por tudo e por nada queixas
ao gordo guardador das chaves
que dormia de tronco nu debaixo
de um cobertor branco de pelúcia
dois ou três gatos geralmente pretos perto
(embora estivesse muito abafado o tempo)
lá não hei-de voltar
dobra
poesia reunida
o decote da dama de espadas (1988)
assírio & alvim
2021