9 de Outubro de 1938
A arte de desenvolver os pequenos motivos para nos decidirmos a realizar as grandes acções
que nos são necessárias. A arte de nunca nos deixarmos desencorajar pelas
reacções dos outros, recordando que o valor de um sentimento é juízo nosso,
pois seremos nós a senti-lo e não os que assistem. A arte de mentir a nós
próprios, sabendo que estamos a mentir. A arte de encarar as pessoas de frente,
incluindo nós próprios, como se fossem personagens de uma novela nossa. A arte
de recordar sempre que, não tendo nós qualquer importância e não tendo também
os outros qualquer espécie de importância, nós temos mais importância do que
qualquer outro, simplesmente porque somos nós. A arte de considerar a mulher
como um pedaço de pão: problema de astúcia. A arte de mergulhar fulminante e
profundamente na dor, para vir novamente à tona graças a um golpe de rins. A arte
de nos substituirmos a qualquer um, e de saber, portanto, que cada pessoa se
interessa apenas por si própria. A arte de atribuir qualquer dos nossos gestos
a outrem, para verificarmos imediatamente se é sensato.
A arte de viver sem arte.
A arte de estar só.
cesare pavese
o ofício de viver - diário
(1935-1950)
trad. alfredo amorim
relógio d´água
2004
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