09 março 2005
quatro estações #crónicas de inverno
Jardim no Inverno
Num Jardim morto, aqui...
Jazem feias massas de cores,
Imobilizado permaneço enfim,
Ó Jardim onde passeavam amores...
Aqui, onde o frio me abraça,
Do tempo ainda banhado em dureza,
Mas ali no banco vazio sem graça,
Onde a paixão mostrava a sua raça
Sob o olhar belo desta natureza...
Neste jardim agora o Inverno é triste,
Quase a nascer está de certeza,
Sonho do amor que não existe...
Este jardim em mim agora,
Causa estranheza...
Artur Rebelo
28 fevereiro 2005
book zapping #005 maria gabriela Llansol
o raio sobre o lápis
V
a conclusão de que não há abismo, e que a infância não
pára de desenvolver-se e crescer,
é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice:
eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das
metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que con-
duz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não
acabou.
Não acabou definitivamente;
onde estará, protegendo-se da luz, o sapo que brilha?
Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros
são as tentativas mais puras do Universo.
«Olha-os, e não os mates.»
O Raio Sobre o Lápis
de Maria Gabriela Llansol
desenhos de Julião Sarmento
Assírio & Alvim
Novembro de 2004
V
a conclusão de que não há abismo, e que a infância não
pára de desenvolver-se e crescer,
é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice:
eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das
metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que con-
duz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não
acabou.
Não acabou definitivamente;
onde estará, protegendo-se da luz, o sapo que brilha?
Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros
são as tentativas mais puras do Universo.
«Olha-os, e não os mates.»
O Raio Sobre o Lápis
de Maria Gabriela Llansol
desenhos de Julião Sarmento
Assírio & Alvim
Novembro de 2004
17 fevereiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
beautiful solitude
manhãs frias
morrer lentamente
encostado às manhãs frias
com cheiro pestífero de corpos humedecidos
pelos fumos das noites ardidas
os ruídos entram pelas frinchas
e raspam as paredes macilentas
do quarto tíbio
sinuosas sombras bailam no silêncio
alteradas pelo ensejo
só, assumidamente
parei na fria manhã de qualquer lugar
expulsa de saudades
o rapaz que atravessa a rua
ausente das horas leves
mergulha no tempo vazio, sem nexo
como se carregasse o peso do dia
a respiração arrasta-se
pelas esquinas
num regresso ao isolamento
uma voz embalada enegrece na manhã
l.maltez
04 fevereiro 2005
polaróide mínima #003
Rui Knopfli, fotografia de João Vilhena, Revista LER
Toda a poesia é a consumação em escrita de emoções limadas pelo sentimento, pela imaginação e pela experiência que se resolvem numa imagem, ou em imagens, e a que chamamos poema. Imagem é o que apresenta instantaneamente um complexo intelectual e emocional (1) e pode ser obscura ou enigmática, não porque o poeta se pretenda inacessível, mas porque o mundo poético é gerador de absolutos de que ele apenas é o comentador.
A poesia de Knopfli é dramática, encena vezes sem conta o mundo, o tempo, o amor e a morte. Vive de raízes largadas (indestrutíveis) na terra africana, excelência de mistérios e de apelos a uma liberdade que vem do mais profundo da nossa memória e que grita insistentemente o seu direito a ser consentida nos outros lugares e nas outras pessoas.
Liberdade absurda, como a luz, que o autor reinterpreta num ritual de melancolia, dividido na incompreensão do sentimento de perda, de que é feita a vida, e no sofrimento/prazer que a memória provoca ao trazer para a luz aquilo que já é escuridão. Passado e presente em fragmentos que estilhaçam a alma até uma tristeza profunda, que apenas se resolve pela evocação, que só se exorciza quando as palavras, muito mais fortes que a memória, ficam no lugar dos rios, no lugar dos sonhos, muito mais eternas, muito mais vastas que qualquer espaço de desejo ou de amor.
Liberdade absurda, como a luz, que o autor reinterpreta num ritual de melancolia, dividido na incompreensão do sentimento de perda, de que é feita a vida, e no sofrimento/prazer que a memória provoca ao trazer para a luz aquilo que já é escuridão. Passado e presente em fragmentos que estilhaçam a alma até uma tristeza profunda, que apenas se resolve pela evocação, que só se exorciza quando as palavras, muito mais fortes que a memória, ficam no lugar dos rios, no lugar dos sonhos, muito mais eternas, muito mais vastas que qualquer espaço de desejo ou de amor.
Mesmo quando se trata de “palavras encardidas e magoadas” (2) de que se serve de igual modo para dar visibilidade (contar) ao seu sonho duma História heróica e épica, de síntese portuguesa, vivida desde há cinco séculos pelas gentes, presentes ao encontro que o Tempo havia, desde o princípio de tudo, marcado com Portugal.
Rui Knopfli nasceu em 10 de Agosto de 1932 em Inhambane, Moçambique, onde viveu até Março de 1975, fixando—se posteriormente em Londres. A sua obra denota múltiplas raízes europeias, clássicas e modernas, apesar da componente especificamente moçambicana.
Escreveu “O País dos Outros”, 1959; “Reino Submarino 1962; “Máquina de Areia”, 1964; “Mangas Verdes com Sal”, 1969; "A Ilha de Próspero”, 1972 e “O Escriba Acocorado”, 1978; "Memória Consentida", 1982 e "O Corpo de Atena" de 1984.
O seu discurso caracteriza—se por um cinzentismo de imagens que é o pano de fundo de toda a sua poesia. Descrente, longe dos arrebatamentos que transformam a “praga da vida” em explosões de luz, escreve—nos sempre sob um espaço pleno de vazio, notas pardas exalando apenas tons de agonia crepuscular (3) . Colhendo influências significativas em T.S.Elliot, quer temáticas, quer estilísticas, a sua “metáfora é elegante e mortífera de uma decomposição lenta e agónica” (4). Longe do consenso da crítica (5), não se pode, no entanto, deixar de considerar a sua obra de relevante no contexto das várias literaturas de língua portuguesa.
gil t. sousa
Maio de 1995
Notas:
(1) Ezra Pound, in Poetry, Março de 1913
(2) in Mangas Verdes com Sal, Lourenço Marques, 1969, 2 edição, Minerva Central, 1972, pág. 21
(3) cf. Reino Submarino, pág.94
(4) Eugénio Lisboa,in “A Voz Ciciada (Ensaio de leitura da poesia de Rui Knopfil Lx. Agosto 1977
(5) Ver Alfredo Margarido, Estudos sobre literaturas das nações africanas de língua portuguesa, Col. “ensaios, Regra do Jogo, 1980, pp.479—5l0
gil t. sousa
Maio de 1995
Notas:
(1) Ezra Pound, in Poetry, Março de 1913
(2) in Mangas Verdes com Sal, Lourenço Marques, 1969, 2 edição, Minerva Central, 1972, pág. 21
(3) cf. Reino Submarino, pág.94
(4) Eugénio Lisboa,in “A Voz Ciciada (Ensaio de leitura da poesia de Rui Knopfil Lx. Agosto 1977
(5) Ver Alfredo Margarido, Estudos sobre literaturas das nações africanas de língua portuguesa, Col. “ensaios, Regra do Jogo, 1980, pp.479—5l0
Três poemas de “Memória Consentida” (1982)
Gritarás o meu nome
Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz será
como a do vento sobre a areia:
um som inútil de encontro ao silêncio.
Não responderei ao teu apelo,
embora ardentemente o deseje.
O lugar onde moro é um obscuro
lugar de pedra e mudez:
não há palavras que o alcancem.
gelam-lhe os gritos por fora.
Serei como as areias que escutam
o vento e apenas estremecem.
Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz ouvirá
o próprio som sem entender,
como o vento, o beijo da areia.
Teu grito encontrará somente
a angústia do grito ampliado,
vento e areia. Gritarás o meu
nome em ruas desertas.
Sem nada de meu
Dei-me inteiro. Os outros
fazem o mundo (ou crêem
que fazem). Eu sento-me
na cancela, sem nada
de meu e tenho um sorriso
triste e uma gota
de ternura branda no olhar.
Dei-me inteiro. Sobram-me
coração, vísceras e um corpo.
Com isso vou vivendo.
Mania do suicídio
Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.
Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.
29 janeiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
automatic winter
quem se importa se não vens pela estrada, ou se o teu nome é muito longe como a sombra? hoje abri as mãos enquanto o sul me fugia em pássaros sob a lua. há árvores tão lentas neste Inverno e passos mudos, água nos caminhos do espelho.
tu não estás, não estás lentamente, nem sobre os telhados, nem mais longe como o forte querer que a neve caia e tudo apague como se apagava o mundo quando docemente um beijo nos explodia no meio da solidão.
gil t sousa
18 janeiro 2005
book zapping #004 henri michaux
(...)
Mais tarde, procurados em todos os pon-
tos do Império do Meio, os caracteres de
outrora, cuidadosamente reunidos, recopia-
dos, foram interpretados pelos letrados.
Surgia um inventário, um dicionário dos si-
nais de origem.
Recuperados!
e recuperava-se ao mesmo tempo a emoção
das calmas e serenas e ternas primeiras cali-
grafias.
Os caracteres ressuscitados na sua inten-
ção primeira reviviam.
A essa luz qualquer página escrita, qual-
quer superfície coberta de caracteres, torna-
-se fervilhante e transbordante... cheia de
coisas, de vidas, de tudo o que há no mun-
do... no mundo da China
cheia de luas, cheia de corações, cheia de
portas
cheia de homens que se inclinam
que se retiram, que se querem mal, que fazem
a paz
cheia de obstáculos
cheia de mãos direitas, de mãos esquerdas
de mãos que se apertam, que se respondem,
que se ligam para sempre
cheia de mãos frente a frente,
de mãos na defensiva, de mãos ocupadas
cheia de manhãs
cheia de portas
cheia de água caindo gota a gota das nuvens
cheia de barcas que atravessam de uma mar-
gem à outra
cheia de aterros
cheia de forjas
e d’arcos e de fugitivos
e cheia de calamidades
e cheia de ladrões levando debaixo do braço
os objectos roubados
e cheia de cobiças
e cheia de nuvens
e cheia também de palavras sinceras
e cheia de reuniões
e cheia de crianças que nascem penteadas
e cheia de buracos na terra
e de umbigos no corpo
e cheia de crâneos
e cheia de fossas
e cheia de aves migratórias,
e cheia de recém-nascidos — quantos re-
cém-nascidos! —
e cheia de metais nas profundezas do solo
e cheia de terras virgens
e de vapores que sobem dos prados e dos
pântanos
e cheia de dragões
cheia de demónios que vagueiam pelos
campos
e cheia de tudo o que existe no universo
tal qual ou disposto de outra maneira
escolhido de propósito pelo inventor de si-
nais para estar junto
cenas para fazer pensar
cenas de toda a espécie
cenas para oferecer um sentido, para ofere-
cer vários,
para propô-los ao espírito
para deixá-los emanar
grupos para resultar em ideias
ou para se resolver em poesia.
Ideogramas na China
Henri Michaux
Trad. Ernesto Sampaio
Cotovia / Fundação Oriente
1999
12 janeiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
Amontoamo-nos de frio
Amontoamo-nos de frio.
O frio das casas, o frio das camas vazias
das mãos, o frio das vozes ausentes.
O frio que nos toma nas margens inacessíveis
de nós próprios, o frio que vem cuspir-nos
apedrejar-nos, o frio da morte.
O frio do corpo que não encontra
o lugar na casa, o frio inabitável
de algumas palavras.
O frio de que não saberei salvar-nos.
diogo m. silva
11 janeiro 2005
citações
“Acontece na vida de toda a gente. De repente, a porta que se fechou entreabre-se, a grade que se acabou de descer volta a erguer-se, o não definitivo já não é senão um talvez, o mundo transfigura-se, um sangue novo corre-nos nas veias. É a esperança. Pena suspensa. O veredicto de um juiz, de um médico, de um cônsul fica adiado. Uma voz anuncia-nos que nem tudo está perdido. Trémulos, com lágrimas de gratidão nos olhos, passamos para o aposento seguinte, onde nos pedem para esperarmos, antes de nos lançarem no abismo.”
Nina Berberova, Terra de Ninguém
10 janeiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
Brueghel, provérbios populares flamengos
Lua em escorpião
É Natal e tenho os pés frios,
não genialmente frios como Pessoa,
apenas uns vulgares pés frios.
*
*
Nesta época há uma vontade especial
de desfigurar a cidade...
*
*
Belém seria um imenso tabuleiro de xadrez
só com peças pretas
exceptuando dois cavalos,
seriam de mármore dando um certo ar
de castelo medieval ao Mosteiro,
que acolheria a escola dos domadores de luas.
*
*
Ao Tejo decretava pena máxima:
uma planície de nevoeiro futurista
daquele com arco-íris por baixo
e inúmeras pontes para o pote de ouro,
todo sonorizado com jazz low-profile
para as árvores e plantas consumirem alegremente.
(principalmente as plantas)
*
*
No meio a consciência colectiva,
no meio, a grande alma decepada de vida,
no meio, os olhos e as bocas secas,
no meio, a fonte de fumo sem fogo,
no meio, a guitarra de doze cordas,
o coração do poeta aberto como uma melancia,
no meio, entre paredes fortificadas,
no meio era a cidade
os sexos virgens, a fome
e a cegueira.
No meio era a cidade
entre paredes fortificadas.
*
*
Com o dedo passava as tardes a descrever vertigens
e breves desenhos
num imóvel espelho de água.
Eu e aquela coisa que surgiu
éramos só um espaço dentro do poema
onde dois sorrisos fugiam em cumplicidade, do rosto.
E no entanto, um espaço tornou-se tudo...
Bastou para descrever-lhe os seios,
cozer-lhe uns olhos de mel e
um sorriso mariposa vermelho,
plantar-lhe sementes de cio e
de tempestade no sexo de areia,
remendar-lhe as lágrimas.
*
*
“Your time has come”
*
*
No limiar do milénio irá lembrar-se...
Como eu lembro, o nosso amor, um amplexo no cérebro
sob a forma de explosões de uma guerra
perdida no tempo, masoquista.
*
*
Ontem implorei a devolução da paisagem,
das barreiras
das grandes bebedeiras de verde,
e enviei-te para debaixo do nevoeiro
encaminhada para o teu tesouro.
*
*
O espelho de água solidificou, é verdade...
Mas agora quero saltar as paredes do meio
e tomar chá com a rainha,
montar os cavalos de mármore
e ensinar aos artistas o ofício dos sonhos,
fixar a lua em escorpião
e provar o seu veneno contigo.
*
Boneca de trapos
*
vou fazer-te uma confidência:
o Tejo é infiel... fui eu que o criei...
Tiago Alexandre Belejo Correia
09 janeiro 2005
um poema de: Sharon Olds
Teoria dos tremores
Quando dois estratos terrestres se esfregam um no outro
como uma mãe e uma filha
chama-se uma falha.
Há falhas que deslizam suaves uma pela outra
uma polegada por ano, tão-só de raspão
como um homem que passa a mão pelo queixo,
esse homem entre nós,
e há falhas que embicam numa curva durante vinte anos.
A crista dilata-se como a testa sarcástica de um pai
e tudo estaca no mesmo sítio, o homem entre nós.
Quando isso acontecer, haverá graves danos
nas zonas industriais e estâncias de veraneio
quando os fundos estratos
finalmente desencalharem
da terrível pressão do contacto.
A terra estala
e os inocentes submergem gentilmente nela como nadadores.
Sharon Olds
“Satanás Diz”
Trad, Margarida Vale de Gato
Antígona, Lisboa 2004
06 janeiro 2005
um poema de: Josep Maria Llompart
Sou cidadão de um dócil território
Sou cidadão de um dócil território,
obtuso habitante de fulminante aldeia;
vivem em mim inominadas mortes, confusão
de estandartes sombrios, fantasmas de lura.
Irado e louco, pregador enganado,
escrevo o nome ardente com marfim e piche:
tabuleiro de xadrez onde tomam posse
ânsias, afãs, com férreo clamor.
Sou verme condenado, humilhado, atrás
de vaga ardente em mar de limo e lama,
grito na noite, espera desesperada,
e sigo adiante, para além do negro e branco,
alma adentro, arvorando a bandeira:
sobre amarelas dedadas de sangue áspero.
Josep Maria Llompart
“Quinze poetas catalães”
Ed. Limiar, Porto, 1994.
Trad. Egito Gonçalves
05 janeiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
Momento de Inverno
Acordei na manhã escura
O dia não amanheceu...
Vou andar hoje na manhã dura,
Com sujo de negro o céu? Não.
Vou tentar deitar e dormir
Fingir que é noite sem olhar
Vou paralisar as horas e não sair,
Até este dia clarear.
Será que o Sol se mudou?
Trocou o lugar com a lua?
Olhei da janela a manhã escura,
Está um dia tão triste cinzento,
Está um dia de cinza pura.
Afinal é de Inverno este momento...
Artur Rebelo
Acordei na manhã escura
O dia não amanheceu...
Vou andar hoje na manhã dura,
Com sujo de negro o céu? Não.
Vou tentar deitar e dormir
Fingir que é noite sem olhar
Vou paralisar as horas e não sair,
Até este dia clarear.
Será que o Sol se mudou?
Trocou o lugar com a lua?
Olhei da janela a manhã escura,
Está um dia tão triste cinzento,
Está um dia de cinza pura.
Afinal é de Inverno este momento...
Artur Rebelo
02 janeiro 2005
quatro estações #crónicas de inverno
frequente inverno mensurável
uma mulher equivocada media a palmo o inverno. meses sobre meses redondos lhe surgiam como o burburinho lúcido da viagem. fazia aqueles estalidos frágeis como se lhe coubesse no dedo a rotação do planeta devastado o ruído da morte da ausência. empilhava as mãos alternadamente em tom de súbita precipitação e depois sorria. sorria como se estivesse a sentir-nos alheios distantes cheios dela preenchidos até à raiz do cabelo quando ele caía. e agora a vida corria a todo o gás a saraiva atingia a máxima velocidade a mulher escondida num manto branco e o baton escarlate na seiva dos homens do inverno ao largo diluia-se. e a sinfonia da sua metamorfose do estalido dos seus dedos da morte equivocada regurgitava. as margens as correntes cavalgavam a ciranda até perder de vista a vista até perder o norte ao sul. este lugar de névoa o aparecimento do pequeno raio a têmpora a salgar durante a viagem petrificara as águas o odor limítrofe do frio as frieiras as gretas das mãos que a palmo encontravam o inverno. a marca deste inverno deste imenso manto desesperava nos reflexos breves das janelas inclusas. a reclusão desta mulher permitia-lhe dedilhar o medo lembrar profundamente a raiz do infinito. há um mistério de pureza na crença deste equívoco jaz inerte o almiscarado do inverno por esses dedos. apetece-me uma laranja de inverno um tomo dedilhado por uma mulher equivocada. apetece-lhe o inverno e a mim intuído o tempo renascida a manhã o inverno todo.
nuno travanca
uma mulher equivocada media a palmo o inverno. meses sobre meses redondos lhe surgiam como o burburinho lúcido da viagem. fazia aqueles estalidos frágeis como se lhe coubesse no dedo a rotação do planeta devastado o ruído da morte da ausência. empilhava as mãos alternadamente em tom de súbita precipitação e depois sorria. sorria como se estivesse a sentir-nos alheios distantes cheios dela preenchidos até à raiz do cabelo quando ele caía. e agora a vida corria a todo o gás a saraiva atingia a máxima velocidade a mulher escondida num manto branco e o baton escarlate na seiva dos homens do inverno ao largo diluia-se. e a sinfonia da sua metamorfose do estalido dos seus dedos da morte equivocada regurgitava. as margens as correntes cavalgavam a ciranda até perder de vista a vista até perder o norte ao sul. este lugar de névoa o aparecimento do pequeno raio a têmpora a salgar durante a viagem petrificara as águas o odor limítrofe do frio as frieiras as gretas das mãos que a palmo encontravam o inverno. a marca deste inverno deste imenso manto desesperava nos reflexos breves das janelas inclusas. a reclusão desta mulher permitia-lhe dedilhar o medo lembrar profundamente a raiz do infinito. há um mistério de pureza na crença deste equívoco jaz inerte o almiscarado do inverno por esses dedos. apetece-me uma laranja de inverno um tomo dedilhado por uma mulher equivocada. apetece-lhe o inverno e a mim intuído o tempo renascida a manhã o inverno todo.
nuno travanca
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