IV
Ontem sobrevivi a uma noite de inverno, depois de
um dia que teve o ritmo do conflito __________, do encontro __________, e da
espera.
__________ no terraço, a emanação da noite era
exactamente igual à da outra noite na minha infância de Alpedrinha.
Era a noite de um afecto profundo,
depois de um conflito que me marcara; não havia
vento na noite,
mas eu pensava no vento à deriva, e levantei a
cabeça para ver de que lugar vinha ele do céu; deparei, primeiro, com o azul
tinta, sem estrelas, e depois com as próprias estrelas frias e cintilantes que
me aproximavam do espaço onde eu queria permanecer. Elevei-me, então, ao céu,
sempre com a cabeça inclinada para trás.
Minha cabeça, olha.
Distintamente, todas as estrelas da Ursa Maior – as
quatro do trapézio, a cauda e, seguindo o que me ensinaram na Escola, vi a
Estrela Polar.
Com a infância invertida sobre
a minha cabeça – e quase sem eu em face de um princípio de céu
no meu firmamento – estremeci com o afecto delicioso do mundo;
não podia deixar de olhar para cima, de parar de
respirar a noite, de murmurar
que estava a criar uma linguagem térrea para a
estrela polar.
As quatro estrelas sustentavam o brilho da Ursa
possuíam o esplendor de um animal suspenso da sua cena. Sem a posse do eu que está no céu, não sei que fazer da
minha infância. O animal duradouro da terra começa a noite, e é o primeiro dos
meus afectos que vão pelo mundo;
Foi assim que me trouxeram a casa, nem sequer houve suspensão na noite
inesquecível; a meio da estrada, vimos um vulto à mercê do primeiro automóvel
que passasse.
Olhei profundamente o chão, na noite, com a mesma
expressão de olhar que erguera para o céu; e sob o labéu de feio na sua boca de
sapo, descobri um ser de natureza tocante, de aspecto vulnerável e bizarro, em
que cada feição me atraía o afecto e o amor. “Ele á assim, infinitamente belo,
através de uma outra percepção do Universo”, pensei. “Mas não está no bom
caminho”, fiz-lhe sentir, com a rapidez indizível da comunicação directa. “Vou
pôr-te no bom caminho, pois eu tenho braços, e posso proteger-te do meu falcão.”
Tenho uma certa relutância, por causa da pele viscosa,
em pegar directamente no sapo fulgurante, envolvi-o na minha camisola, e pu-lo
ao abrigo do olhar de Aramis.
A noite passava, profunda, pelo mundo,
E roubava as almas que amavam o livro de imagens,
desde o princípio dos sapos, e das constelações postas sob a protecção de um
animal. A Ursa caminha no céu, um sapo dera-me o privilégio de eu lhe pegar,
a manhã estava por servir.
maria gabriela llansol
julião sarmento
o raio sobre o lápis
livro de artistas
europalia 91
1991