Tudo é margem. Eterno chama o mar.
Gottfried Benn
Foi antes de qualquer poema.
O rio, ao fundo, não era
o da minha aldeia,
mas dividíamos o mundo
sem saber ainda de Tratados,
de um lado a nossa soleira,
do outro a da menina que parecia
um anjo e, garantiam as vizinhas,
estava de morte marcada.
Jurávamos não travar, não negar
a recompensa ao vencedor,
e descíamos depois pelos carris,
com a bicicleta testando
uma vocação precoce para a queda
de que nos protegia o olhar
das avós – ao menino e ao borracho…
Um dia disse em voz alta
as saudades da praia e
murmuraram-me ao ouvido,
como se fosse um búzio malicioso
pousado na calçada. Devolvi um sim:
ele abriu o fecho das calças para
urinar atenciosamente na areia
das obras, onde escrevemos castelos
até à hora de jantar, anunciada
pelo passeio manso da Melita,
a cadela do Sr. João.
inês dias
voo rasante
antologia de poesia contemporânea
mariposa azual
2015