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02 junho 2024

cristovam pavia / sina

 
 
 
Eu vivo tudo por dentro.
Os meus enredos fabrico
(Quase sempre dolorosos!)
E não os conto a ninguém!
– O meu poço é o meu pico,
Que me pica e contém…
 
 
…………………………………………
 
 
Sem poço não ando bem!
 
 
 
cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010




 

14 maio 2023

cristovam pavia / havia grandes tílias

 




 

Havia grandes tílias aromáticas…
E pedrinhas brilhantes, coloridas
Conforme a luz…
E havia animais
Com rotas desconhecidas…
E folhas estranhas todas diferentes…
 
No jardim passado, em tardes encantadas…
 
E tu estavas lá:
– Menino
Das pálpebras tombadas.
 
 
cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010




31 julho 2021

cristovam pavia / poesia

 
 
O lírico segredo
Por ninguém desvendado
Na manhã de neblina
Deixá-lo ir assim…
Eu fico livre e calmo,
Sem amor, sem saudade…
O peso das palavras
Evolou-se… Neblina…
E a poesia nasce
Como se fosse música…
 
 
 
cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010





 

03 agosto 2017

cristovam pavia / momento




Uma canção sem musica que tomba
Como a folha doirada na neblina…
Longe, tão longe, o peso e a memória
E a musica sem música tão minha…

  

cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010







10 janeiro 2016

cristovam pavia / nocturno


Dorme no jardim público
Cheio de noite e de sonho
E o banco abandonado
É uma varanda para as estrelas…

A vida passa por ali
Como uma lágrima num rosto…
E os meninos vagabundos
Também não reparam nele.


cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010



13 janeiro 2015

cristovam pavia / ruas polidas


          «Na cidade quem olha para o céu?»
                                             Carlos Queiroz



Sou solteiro, as ruas são livres,
Minhas mãos nuas
De anéis,
Os músculos festivos
E há missa sobre o mundo.
Carlos Drummond de Andrade,
Virgílio brasileiro,
Sobe comigo aos ciclos das palavras,
Desce comigo às pedras públicas
Da cidade, que
Passos humildes, anónimos,
Pacientemente
Poliram, ao ponto de nelas
Podermos por vezes, discretos,
Patinar
E ousar voos.
(Teilhard).
Um outro Carlos
- Queiroz esse, disse em Sete
Caprichos para Ela
(Setenta vezes sete para o meu capricho):
Bendito seja o sex-appeal.
Ruas pela humildade ou o anónimo
- Na cidade quem olha para o céu,
Se nas ruas polidas fulgem estrelas
E um murmúrio de cântico geral?
Sim, há ruas em que podemos patinar,
Prontos para o discreto voo
De quem, lúcido ou bêbedo, ou banal,
Deseja por momentos o alto ar…
E desliza.
Há missa sobre o mundo
E eu encontro partículas
Inúmeras de uno
(Desde o moreno de Estela até à brancura de Elisa)
E de eterno feminino
(Goethe),
Que impelem para o alto
Voo.



cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010




24 junho 2014

cristovam pavia / visita



Eu estava esperando esta noite
Eu estava esperando ter a garganta apertada
Sem poder gritar
Eu estava esperando ver montes negros desenhados no céu
Eu estava esperando minhas estrelas
(E minhas mãos como duas foices de lua
Andassem sozinhas brincando com elas)
Hoje houve a solidão da visita
Daquela asa invisível que entra em mim
Quando a terra se desprende da Terra
E as montanhas são altas, mais ainda…


cristovam pavia
távola redonda
1950



25 setembro 2010

cristovam pavia / não fugir







ao Nuno





Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
Numa espécie de morte mais terrível
Ser de mim despojado, ser
abandonado aos pés como um vestido.
Sem pressa atravessar a asfixia.
Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.






cristovam pavia
poesia
dom quixote
2010




22 março 2007

requiem

(ao menino morto, eu próprio)




A tarde declina com uma luz ténue.
Estou grave e calmo.
E não preciso de ninguém
Nem a luz da tarde me comove: entendo-a.
Até as imagens me são inúteis porque contemplo tudo.


Os ventos rodam, rodam, gemem e cantam
E voltam. São os mesmos:
Como os conheço desde a infância!
E a terra húmida das tapadas da quinta…
O estrume da égua morta quando eu tinha seis anos
Gira transparente nesta brisa fria…
(Na noite gotas de orvalho sumiam-se sob as folhas de erva…)


Oh, não há solidão nas neblinas de Inverno
Pela erma planície…


E foi engano julgar-te morto e tão só nas tapadas em silêncio…
Agora sei que vives mais
Porque começo a sentir a tua presença, grande como o silêncio…
Já me não vem a vaga tristeza do teu chamamento longínquo,
Já me confundo contigo.







cristovam pavia
revista árvore, nº. 1
Outono de 1951