E os diálogos nos jardins fantásticos que contornam
nada definidamente certas chávenas? Que palavras sublimes não devem estar
trocando as duas figuras que se assentam no lado de lá daquele bule? E eu sem
ouvidos apropriados para as ouvir, morto na polícroma humanidade!
Deliciosa psicologia das coisas deveras estáticas!
A eternidade tece-a e o gesto que uma figura pintada tem desdenha, do alto da
sua eternidade visível, a nossa transitória febre, que nunca se fixa numa
atitude nem se demora nos portões de um esgar.
Não amamos, senão que fingimos amar. O verdadeiro
amor, o imortal e inútil pertence àquelas figuras em que a mudança não entra,
por sua natureza de estáticas. Desde que eu o conheço o japonês que se senta na
curva do seu bule não mudou ainda... Não apertou nunca as mãos da mulher que
está a um distar errado dele. Um colorido extinto como de um sol desaparecido
irrealiza eternamente as encostas desse monte. E tudo aquilo obedece a um
instante de pena.
Que curioso deve ser o folclore do colorido povo
dos painéis. Uns amores de figuras bordadas — amores de duas dimensões, duma
castidade geométrica deverá ser.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.I
ática
1982