1.
Os cães eram mudos e deu com eles por
acaso, farejando relógios de areia.
Naquela terra árdua havia ainda o enigma
dos homens e do seu alfabeto traído.
Podia pensar-se num simulacro. Era apenas
método. A obstinada construção de uma vontade
sem objecto.
Teria voltado fosse como fosse.
2.
Antes de nós outros tentaram.
Muitos não sabem que viagem alguma
se repetirá. Toda a demanda é vã.
Aquele muro não está ali
por acidente. Sequer a gosto de qualquer
feitor com inclinações pré-rafaelitas.
A manhã tinha ficado parecida com um pedaço
de vidro e era nítida a evidência de desastre.
3.
As coisas são como são.
Sempre haverá uma mão senhora de exemplar
desprendimento, atenta ao sufoco
e à deslocação da alma.
Assim foi, por socalcos de tabaco,
o enredo dos caminhos, ardente
magia. Pouco importa saber
que toda a paisagem mente.
4.
Gente propensa a ver a luz por um funil
a vê-la assim em corredores,
esplendidamente ignorante das forças vitais,
de qualquer alegoria. Esse sentido
mediúnico, três vezes milenário, de fabular
a perversa mudez dos animais.
Contudo eles estão onde os encontramos.
E estão simplesmente calados.
eduardo pitta
hífen 4 abr/ set 89
cadernos semestrais de poesia
viagens
1989