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28 outubro 2024

emanuel jorge botelho / quase aforismo

 
 
 
percebi cedo que o mundo doía.
o medo ainda não tinha nome,
quando lhe paguei, com lágrimas,
o primeiro dízimo.
 
depois, foi só crescer.
 
 
 
emanuel jorge botelho
o livro das coisas ardidas
averno
2023
 




22 março 2024

emanuel jorge botelho / feitas as contas



 

 
resta-me, talvez, a minha sombra,
essa espécie de risco benfazejo,
com que a alma dá guarida ao descanso.
 
digo sombra, como quem diz trevo, ou ousadia,
e dou-lhe uma madeixa muito antiga.
talvez seja assim que o medo perde o tino,
e a memória guarda, quase impune,
o desenho, quase inteiro, do meu corpo.
 
 
 
emanuel Jorge botelho
o livro das coisas ardidas
averno
2023
 




 

19 maio 2023

emanuel jorge botelho / poética iii

 



 
e há os poemas que ainda não escrevi,
os que são antes do papel,
os que estão prontos antes das palavras.
desses só há uma sombra
a dizê-los no silêncio,
uma espécie de rumor
que os põe dentro do tempo.
 
 
quando chegam,
já são de linho.
 
 
 
emanuel jorge botelho
nervo/18 maio / agosto 2023
colectivo de poesia
2023
 




31 janeiro 2023

emanuel jorge botelho / retrato de jean genet por leonor fini, em 1950

 



 
os dias eram um
grande clarão de vinagre,
vê-se no teu rosto,
ardido de ir morrendo
sobre um chão raso de aspas.
 
olhas para cima
ou para a ponta de uma chama
como se por aí chegasse,
quase intacta,
a asa de todas as palavras.
 
há tanto frio no traço que te deram,
e até se ouve o teu coração.
 
 
 
emanuel jorge botelho
resumo
a poesia em 2013
assírio & alvim
2014
 



05 agosto 2022

emanuel jorge botelho / viagem, (estudos)

 
 
1.
 
que golfinho cortou a pele da água,
o mapa embuçado
nas esquinas do medo?
 
quem sarou a morte do sal?
 
 
2.
 
há uma âncora de fogo
no porão dos anjos
 
na fuligem dos trevos, a sorte da viagem
 
 
3.
 
levavas no bolso um limão de oiro
 
o tigre e o fruto
do pomar dos remos
 
 
(versões, talvez provisórias, para
o livro LADAILHAS)
 
 
 
emanuel jorge botelho
hífen 4 abr/ set 89
cadernos semestrais de poesia
viagens
1989





 

14 agosto 2021

emanuel jorge botelho / testamento vital

 
 
 
                  para o Manuel de Freitas
 
 
 
estou cansado de andar a ir morrendo,
à espera que o tempo saia do meu nome.
 
trepar paredes não é risco a que dê gasto de alma,
e não tenho caligrafia
para cancelar o endereço.
 
ponho uma faca entre os dentes?
masco tília?
ou desenho a primeira sílaba de uma asa?
 
não faço nada.
não sou capaz de trair a minha morte.
 
 
                                       Agosto de 2013
 
 
 
 
emanuel jorge botelho
telhados de vidro n.º 19 . maio . 2014
averno
2014