[…]
Bem… passeava eu entre florzinhas cândidas e azulinhas
[da Primavera,
aquelas que nascem logo depois das prímulas,
– e pouco antes de as acácias se carregarem de flores,
odorosas como carne humana, que se decompõe ao calor
[sublime
da mais bela estação –
e escrevia nas margens de pequenas lagoas
que lá, na aldeia da minha mãe, com um daqueles nomes
intraduzíveis se chamam “fundas”,
com os rapazes filhos dos camponeses,
que inocentes, se banhavam
(porque viviam impassíveis à vida que levavam,
enquanto eu achava que tinham consciência daquilo que eram)
escrevia os poemas d’ «O Rouxinol da Igreja Católica»:
passava-se isto em ’43:
em ’45 <foi completamente diferente>.
Aqueles filhos de camponeses, já um pouco mais crescidos,
um dia puseram ao pescoço um lencinho vermelho
e marcharam
em direcção ao centro do governo, com as suas portas
e os seus palacetes venezianos.
Foi assim que soube que eram trabalhadores,
e que, portanto, havia os patrões.
Pus-me ao lado dos trabalhadores e li Marx.
[…]
who is me
poeta das cinzas
trad. de ana isabel soares
barco bêbado
2021