Falo a sério e tristemente; este assunto não é para
alegria, porque as alegrias do sonho são contraditórias e entristecidas e por
isso aprazíveis de uma misteriosa maneira especial.
Sigo às vezes em mim, imparcialmente, essas coisas
deliciosas e absurdas que eu não posso poder ver, porque são ilógicas à vista —
pontes sem donde nem para onde, estradas sem princípio nem fim, paisagens
invertidas (...) — o absurdo, o ilógico, o contraditório, tudo quanto nos
desliga e afasta do real e do seu séquito disforme de pensamentos práticos e
sentimentos humanos e desejos de acção útil e profícua. O absurdo salva de
chegar apesar do tédio àquele estado de alma em que começa por se sentir a doce
fúria de sonhar.
E eu chego a ter não sei que misterioso modo de
visionar esses absurdos — não sei explicar, mas eu vejo essas coisas
inconcebíveis à visão.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.I
presença
1990