«Filho, fui eu que te criei. Sustentei-te de
restos, de pobreza, de humildade. Só pensei em ti: tu tens, portanto, obrigação
de ouvir os últimos conselhos que te dou. Olha que és o meu filho, o filho que
criei de dia, de noite, de fome, de obediência e de sonho amargo. Criei-te para
que pudesses um dia pertencer às classes elevadas. Por isso sofri, para isso
sonhei, para isso desapareço, agora que cumpri o meu destino.
Filho: mente. Às pessoas ricas é preciso mentir
sempre e dizer sempre que sim. Deve-se-lhes consideração, deve-se-lhes
obediência. Nunca te ligues com os pobres. Para pobres bastamos nós. A pobreza
pega-se, não há nada no mundo pior que a pobreza. Tem cuidado com a língua.
Pela boca morre o peixe. Nunca digas o que sentes: o que a gente sente é sempre
uma inconveniência. Há pessoas que dizem: - Eu gosto que me contradigam. - Foge delas como o Diabo da cruz. O que
toda a gente quer é que os outros sejam da sua opinião. Só os ricos têm direito
de contradizer os pobres. Um pobre não deve ter opinião. Guarda as
conveniências, acima de tudo guarda as conveniências.
O mundo antigo tinha muito de bom; sabendo-se ser
agradável arranjava-se lá um cantinho. A morte é indispensável para as pessoas
herdarem, e para nos dias de luto se desanojarem os ricos. Foge do pecado. Sê
religioso e temente a Deus. Nunca digas mal de ninguém. E habitua-te filho,
habitua-te que é o grande segredo da vida. Habitua-te a cumprir os teus deveres
para com a sociedade. O dever acima de tudo, o dever de te subordinares para que
te não queiram mal. Não te esqueças também dos pequenos deveres de cortesia.
Não te esqueças de que no dia 21 de Julho faz anos o teu padrinho, nem de
deixares cartões de visita às pessoas respeitáveis. Há as que fingem que não
reparam nessas coisas. São as piores, são as que reparam mais. Respeita.
Respeita a lei, os superiores, a Igreja, os ricos. Num caso grave da tua vida
chega-te ao pé do conselheiro Pimenta e diz-lhe com humildade: - Eu sou filho
da Restituta que era prima de V. Ex.ª - E mais nada. Não sejas causa de
desordem nem de escândalo. Fala baixinho, e mente, filho, mentir não custa
nada. Nunca digas a verdade porque pode vir a saber-se. Deus nos livre da
verdade. Mente para seres agradável aos outros e a ti mesmo. E, sobretudo,
repito-te, diz sempre que sim. Não custa nada dizer que sim, dizer a tudo que
sim, dizer sempre que sim.
Tua mãe,
Restituta da
Piedade Sardinha »
raul brandão
húmus
frenesi
2000