Caro Gil,
depois dos acontecimentos de Paris destes dias
passados, te escrevo aqui publicamente (vais tu escolher se publicamente ou
nao) porque não queria ficar calado, mas lì muitas coisas que vieram só “da
barriga”, e muito pouco “da cabeça” das pessoas. Eu não sou Charlie, no sentido
que nunca gostei das vinhetas do jornal que são, para mim, parte de uma ideia
do mundo (muito pouco)anarco-libertaria que, enfim, acabarà sempre na defesa da
propria tradição contra a verdadeira aceitação das diferenças. E ao mesmo tempo
eu sou Charlie, porque o horror do homicidio politico e terrorista é sempre uma
coisa intoleravel, e a liberdade de expressão deve sempre ser garantida. Mas
achei ao mesmo tempo muito triste ver uma grande parte do mundo arabo que, de
qualquer forma, està a “pedir desculpa” por aquelo que aconteceu. O mundo arabo
não tem culpa nenhuma, e para mim este é o sinal que ainda a Europa (e o mundo
inteiro) é muito euro-centrista e pensa de ter uma autoridade moral que, para
mim, não tem, ou tem somente na medida em que consegue aceitar as diferenças
mais que outros lugares no mundo. Mas, eu penso, ainda estamos bem longe deste
resultado.
Não quero escrever demasiado; na verdade, a minha
intenção é de mandar-te esta poesia do Louis Brauquier, poeta de um outro
grande porto desta velha Europa, Marselha. Ele canta duma cidade de emigrantes,
de pobres e trabalhadores, de italianos, espanhois, portugueses e muitos arabes
que chegaram ali e que construiram a alma da cidade: uma cidade que é o coração
mediterraneo da França. Nas palavras dele vive um povo multicultural e de
necessidade antiracista que é, enfim, a unica Europa que amo. Espero que vais
gostar.
Contra as armas, as poesias!
Grande abraço.
Grande abraço.
Toutes
les puissances du globe
Toutes
les puissances du globe
Sont
là, dans la ville maritime
Où
débarquent, brulent et passent
Les
races multipliée.
Dans
la cohue des idioms,
Au
hazard des chants et des rixes,
Et
surgissant des faits divers,
J'exalte
toutes les puissances.
Puissance
du bar où s'accoudent
Les
rancoeurs et les desires,
Prés
des scintillants alcools,
Versés
dans le verre opaque!
Bar que je sais, au mole B
Où
boivent les dockers et les maitres d'équipage.
Puissance de la rue trouble au crepuscule,
Quand les lumierès des magasins
Assourdissants
Affolent
Le navigateur débarqué!
Puissance des filles prospères,
Qui appellant sur le trottoir nocturne.,
Quand les sirens des Ports
Ont fait descendre le soleil!
Oh! Dans le soir, aux yeux pervers,
Où les lampes à pétrole s'allument
Aux bouges de chair des vieux quartiers,
La morsure aux entrailles que laisse
Cet appel!
Puissance de l'alcool, de la rue et des bouges
Puissance de carte et de l'argent!
Le coup de revolver qui claque
Aur
le Port,
Dans
le silente
Des étoiles
Et se prolonge
Par le ruelles
Dans
un bruit de fuit éperdue,
Poursuivi par l'aboiement rauque
De side-cars de la police
Et
puissance enfin sur mon ame,
Des
grand mats et de la mer,
Que j'ai tant de fois chantés!
*
Caro Stefano,
A Poesia servirá sempre melhor a Humanidade do que
qualquer arma ou religião.
Deixa apenas que te diga que sim, que acho que o
Mundo Árabe tem que pedir desculpas, tanto quanto o Ocidente e a própria
Europa.
Franceses e Árabes devem-se muitas desculpas mútuas
e pelas mesmas razões: racismo e intolerância.
Experimentar os extremos é muitas vezes a única
maneira de se chegar ao equilíbrio. Que
os acontecimentos de Paris sirvam ao menos para isso.
Que Paris seja hoje a grande sala do mundo, onde a
Humanidade se olhe frente a frente e dê significado ao velho chavão: somos
todos diferentes, somos todos iguais.
Um grande abraço