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02 maio 2020

bertolt brecht / a lição do jardineiro



Pequeno reino de sebes e canteiros
O meu jardim me ensina
Que até a rosa nobre de Mileto
Tem de, para ser bela, ser podada.
Também ela deve compreender
Que a couve, o alho e outros legumes
De origem modesta, mas não menos úteis,
Têm, como ela, direito
À sua ração de água.
O jardim seria mato
Se só na rosa imperial pensássemos.



bertolt brecht
poemas
selecção e trad. de arnaldo saraiva
presença
1976






29 outubro 2018

bertolt brecht / lendo horácio





Nem o próprio dilúvio
Foi eterno.
Um dia as negras
Águas partiram. Mas como,
É verdade, houve poucos
Sobreviventes.



bertolt brecht
poemas
selecção e trad. de arnaldo saraiva
presença
1976










30 dezembro 2017

bertolt brecht / algumas perguntas a um «homem bom»




Bom, mas para quê?
Sim, não és venal, mas o ralo
Que sobre a casa cai também
Não é venal.
Nunca renegas o que disseste.
Mas, o que disseste?
És de boa fé, dás a tua opinião.
Que opinião?


Tens coragem.
Contra quem?
És cheio de sabedoria.
Para quem?
Não olhas aos teus interesses.
Aos de quem olhas?
És um bom amigo.
Sê-lo-ás do bom povo?


Escuta pois: nós sabemos
Que és nosso inimigo. Por isso vamos
Encostar-te ao paredão. Mas em consideração
Dos teus méritos e das tuas boas qualidades
Escolhemos um bom paredão e vamos fuzilar-te com
Boas balas atiradas por bons fuzis e enterrar-te com
Uma boa pá debaixo da terra boa.


bertolt brecht
poemas
selecção e trad. de arnaldo saraiva
presença
1976





13 janeiro 2017

bertolt brecht / citação


Assim falou o poeta Kin:
Como escrever obras imortais, se não sou célebre?
Como responder, se ninguém me interroga?
Por que perder tempo com versos que o tempo perde?
Escrevo as minhas propostas em forma duradoura
Com medo que muito tempo corra sem que elas se cumpram.
Para atingir o que é grande há que passar por grandes
                                                                    transformações.
E as pequenas transformações são inimigas das grandes
                                                                        transformações.
Tenho inimigos. Logo devo ser célebre.



bertolt brecht
poemas
selecção e trad. de arnaldo saraiva
presença
1976



05 janeiro 2015

bertolt brecht / aos que virão a nascer



1

Em verdade, vivo em tempos escuros!
A palavra ingénua é louca. Uma testa lisa
Denota insensibilidade. O que ri
Ainda não recebeu
A terrível notícia.

Que tempos são estes, em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime,
Porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios!
O que acolá calmamente cruza a rua,
Não será ele talvez já acessível aos amigos
Necessitados?

É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Mas acreditai-me: é só um acaso. Nada
Daquilo que faço me dá o direito de comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Quando se me acabar a sorte
Estou perdido.)
Dizem-me: Come e bebe! Alegra-te, já que o tens!

Mas como posso eu comer e beber, quando
Tiro ao faminto o que como, e
O meu copo de água falta ao que morre de sede?
E no entanto como e bebo.

Também gostava de ser sábio.
Nos velhos livros vem o que é ser sábio:
Manter-se alheio à luta do mundo, e o curto tempo
Passá-lo sem receio.
Também viver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecer
Vale por sábio.
E tudo isso é que eu não posso:
Em verdade, vivo em tempos escuros!


2

Entrei nas cidades no tempo da desordem
Quando lá reinava a fome.
Vim pra entre os homens no tempo da revolta
E com eles me revoltei.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

O meu pão comi-o entre as batalhas.
Deitei-me a dormir entre os assassinos.
Dei-me ao amor, descuidado
E vi a Natureza sem paciência.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

As estradas levavam ao pântano no meu tempo.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco pude fizer. Mas os que mandavam
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

As forças eram poucas. O alvo
Estava muito longe.
Via-o com nitidez, inda que pra mim
Difícil de alcançar.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.


3

Vós, que haveis de surgir da cheia
Em que nós nos afundámos
Lembrai-vos
Quando falardes dos nossos fracos
Também do tempo escuro
A que escapastes.

Pois nós marchámos mudando de terra mais vezes que de sapatos
Através das guerras de classes, desesperados
Quando lá só havia injustiça e não revolta.

E contudo nós sabíamos:
Também o ódio contra a vilania
Desfigura as feições.
Também a cólera contra a injustiça
Enrouquece a voz. Ai, nós
Que queríamos amanhar o terreno para a amabilidade
Não podíamos nós mesmos ser amáveis.
Mas vós, quando chegar a hora
Em que o homem possa ajudar o homem
Pensai em nós
Com indulgência.

  

bertolt brecht





11 agosto 2013

bertolt brecht / há homens que lutam um dia



Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

  

bertolt brecht