Poema 16
Omnis creatura est vertibilis in nihil
TOMÁS DE AQUINO, Summa Theol. III q. 13 a 2
Vou tirar de mim todas as imagens Primeiro o redondo panorama
[do
mundo
completo em repouso na obscura água transparente como um autêntico
[ paradoxo Depois
o resultado sobre a tela: linhas perfeitas dividindo o intenso
clarão da terra, tão semelhantes são inferno e paraíso. E em seguida
não mais verei, lançado veloz na pista desmesuradamente branca, as
[árvores
erguendo-se móveis na memória do corpo,
e as palavras, que são o efémero hálito no instante da partida, e o
[intervalo das palavras,
ficarão mordendo a pele inteira do espaço Assim pouco a pouco
esquecerei quem fui, a inumerável espera de gerações e desencontros,
o céu muito claro e indiferente como um chão ao contrário amparando
[a
queda das águas,
e no grande vazio fixarei os pequenos pontos luminosos porventura
[estrelas restos de nebulosas
Tudo se aproxima e se esvai no mesmo pânico confuso Agora perdi
[um braço ao passar pela ponte
a tua boca tem um calor misterioso e banal que me vem à memória
[no momento do salto
Fecho os olhos a tempo de não ver como cresces
ficarás crescendo dentro de mim como uma carne indecisa
uma coisa que se não vê e alimenta o olhar
Encontrarei esse lugar preciso que nada anuncia E no vasto painel
[electrónico
brilhará por instantes uma hora ao centésimo de segundo «este teve
[sorte
/ azar no seu tempo»
Agora a chuva abre minúsculos infinitos buracos na precária brancura
[luminosa
cairei pela certa antes de chegar à beira dos abismos Vertido
no áspero lugar de coisa alguma Basta virar a folha e nada aconteceu
a lisa pista intacta espera E os corredores, atentos à partida,
compactos se misturam vibrantes velozes alheios como quem se ignora
como quem nunca conheceu o limite redondo da paisagem
antónio franco alexandre
dos jogos de inverno
poemas
assírio & alvim
1996