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29 abril 2021

vladimir maiakóvski / nós outros

 
 
Nós deslizamos sob as palmeiras, cílios da terra,
para perfurar as fronhas dos desertos,
para apanhar os sorrisos dos couraçados –
nos lábios ressequidos dos canais.
Alto aí, cólera!
Para a pira das constelações inflamadas
não permitirei que façam subir a minha velha mãe enfurecida.
Caminho – corno do inferno – embriaga os roncos dos condutores
       de camiões!
Que a embriaguez dilate as narinas fumegantes dos vulcões!
Vamos atirar-nos às nossas amadas para colocar nos seus chapéus as
       plumas descoloradas dos anjos,
cortar a cauda dos cometas para que delas façam jiboias.
 
 
vladimir maiakovski
33 poesias
trad. adolfo luxúria canibal
edições snob
2019

 




03 dezembro 2020

vladimir maiakóvski / insignificâncias

 
 
Exibirei a série de cores da minha imaginação como a cauda de um
       pavão,
entregarei a minha alma a um enxame de rimas desconhecidas.
Quero ainda ouvir nas colunas dos jornais rezingar
aqueles
que com o focinho zurzem as raízes
do carvalho que os alimenta.
 
 
vladimir maiakovski
33 poesias
trad. adolfo luxúria canibal
edições snob
2019

 




03 maio 2020

vladimir maiakovski / luar

Paisagem


Deve haver lua.
Ela já aparece um pouco
além.
E ei-la cheia suspensa no ar.
É sem dúvida deus
que com uma prodigiosa
colher de prata
remexe a sopa de estrelas.


vladimir maiakovski
33 poesias
trad. adolfo luxúria canibal
edições snob
2019








29 maio 2019

vladimir maiakóvski / eu



1.
Pela calçada
da minha alma percorrida até à usura
os passos dos loucos
batem com os tacões de frases duras.
Aí onde as cidades
estão suspensas
e numa rede de nuvens
os pescoços torcidos
das torres
endureceram –
eu sigo
sozinho a soluçar,
porque há polícias
crucificados
nos cruzamentos.


vladimir maiakovski
33 poesias
trad. adolfo luxúria canibal
edições snob
2019





04 abril 2019

vladimir maiakóvski / e tu poderias?




De repente salpiquei para fora do copo de tinta
um mapa do quotidiano.
Mostrei num prato de geleia
As oblíquas maçãs do rosto do oceano.
Nas escamas de um peixe de ferro branco
li o apelo de lábios novos.
E tu,
poderias tu
tocar um nocturno
com a flauta das goteiras?



vladimir maiakovski
33 poesias
trad. adolfo luxúria canibal
edições snob
2019






17 maio 2018

vladimir maiakóvski / ordem n.º 2 ao exército da arte




É a vós –
barítonos bem alimentados –
que desde Adão
até hoje
comoveis as espeluncas – a que chamam teatros –
com as árias dos Romeus, árias das Julietas.

É a vós –
artistas-pintores,  
gordos como cavalos
ornato relinchante e devorador da Rússia,
acachapados no fundo dos estúdios,
a aperfeiçoar constantemente florinhas e engodos.

É a vós –
escondidos à sombra de místicos folhetos,
arando com mil rugas vossas frontes –
pequenos futuristas,
pequenos imaginistas,
pequenos acmeistas,
embaraçados entre a teia das rimas.

É a vós –
que em mechas hirsutas tendes transformado
vossos cabelos bem penteados,
e o verniz dos sapatos em tamancos
«prolecultistas»
que remendais
o fraque desbotado de Puchkine.


É a vós –
bailarinos, tocadores de trompete,
que vos entregais abertamente,
ou calmamente pescais,
e imaginais o futuro
como uma academia imensa.
É a vós que o digo,
eu…
genial ou não genial,
que abandonei a quinquilharia da arte
e trabalhei na Rosta,
eu vo-lo digo –
antes que vos expulsem à coronhada.
Deixem-se disso!

Deixem-se disso!
esqueçam,
ponham de lado
rimas,
romances,
roseiras em flor,
e todas as outras «melrancolias»
dos arsenais das artes.

A quem interessa que
«- Ah, pobre criança!
como ele a amava
e como era infeliz…»?
Hoje
necessitamos de mestres
e não cabeludos pregadores.
Oiçam-nas!
As locomotivas gemem,
sopram pelas fendas, pelo chão:
«Dêem-nos o carvão do Don!
Serralheiros,
mecânicos, ao Depósito!»

Em cada embocadura de rio
vemos os barcos deitados,
um buraco no flanco, gritarem nas docas:
«Dêem-nos a nafta de Baku!»

Enquanto nos perdemos em querelas vãs,
buscando não sei que secreto sentido,
atravessa as coisas um enorme soluço:
«Dêem-nos formas novas!»

Já não há imbecis
para, multidão boquiaberta,
esperar que caia dos lábios do «mestre» uma palavra.
Camaradas,
inventai uma arte nova
que arranque
a República da lama.

(1922)



vladimiro maiakowski
autobiografia e poemas
trad. de carlos grifo
presença
1977









01 outubro 2016

vladimir maiakóvski / o adeus



O táxi
                ficou-me com o resto do dinheiro.
- A que horas parte o comboio p'ra Marselha? -
Nos calcanhares
     Paris
                                  a acompanhar-me
com toda
                a sua inverosímil maravilha.
De lama
                e dos adeuses
                                  ficam-me os olhos tristes.
Meu coração
               sentimental
                                  com pancadas me abala.
Como eu teria desejado
               viver
                                   e morrer em Paris,
se não houvesse
                neste mundo -
                                   Moscovo!  



vladimiro maiakowski
autobiografia e poemas
trad. de carlos grifo
presença
1977






22 maio 2016

vladimir maiakóvski / e assim me aconteceu



Os navios para o porto navegam;
os trens trafegam para as estações.
Assim eu, tão mais depressa
 – afinal, eu amos! –
para ti, minha desembocadura, sou entregue.
O cavaleiro avaro de Pushkin
adorando seu ouro no porão
cava e enterra.
Assim eu
para ti, minha amada, regresso.
Meu coração aí está
e minha adoração é essa.
Ao regressar à casa estamos contentes –  
nos lavamos, fazemos a barba.
Assim eu
Para ti regresso –
acaso para ti indo
não estou voltando para casa?
São, as criaturas terrestres,
recolhidas para o seio da terra;
progredimos para lá
onde tudo começa.
Assim eu
por ti
sou tragado continuamente –
mal nos separamos
é em ti que se acaba.



vladimir maiakóvski
uma nuvem de calças e liubliú
tradução de andré nogueira
editora medita
2013



03 outubro 2014

vladimir maiakóvski / minha universidade




Vocês sabem francês.
Dividem,
multiplicam,
declinam perfeitamente.
Pois declinem!
Me digam: vocês
com os edifícios
sabem cantar?
A língua dos trens vocês compreendem?
Os discípulos
estendem as mãos
somente nos livros
e cadernos da tabuada.
Eu
aprendi o alfabeto nas placas
folheando páginas de ferro e alumínio.
Os mestres
apertam em suas mãos
a terra
arrancando-lhe cascas,
gomos,
mas toda ela não passa
de um globo
em escala.
Eu
de bruços aprendi geografia ─
não por acaso: dormia no chão
deitado nas tábuas
de meu mais regular declínio.
A Ilovaiski tortura uma questão:
─  Seria mesmo ruiva a barba do Barba-Ruiva?
Não me importa essa burrice de holofotes.
Qualquer história das ruas
para mim é mais digna de nota.
Pagam Boaventuras (para odiar
desventurados)
e fazem patíbulo de sobrenomes
do prestigioso pódio.
Eu
aos gordos
desde a infância aprendi a sentir ódio.
Eu era pobre
e me vendia pelo almoço.
Depois retinirão ideiazinhas
como tostões de cobre
para levar também as moças.
Eu somente com os edifícios me entretinha.
Só me respondiam os encanamentos.
À espera do que eu lhes lançasse na orelha
as calhas se esticavam dos telhados.
Depois, uns contra os outros
e todos contra as estrelas,
em línguas que eu lhes tenha alumiado,
estalavam cata-ventos.



vladimir maiakóvski
uma nuvem de calças e liubliú
tradução de andré nogueira
editora medita
2013





10 fevereiro 2014

vladimiro maiakówski / digam !



Digam !
Lá porque estão acesas as estrelas,
será porque elas são necessárias a alguém?
Será porque alguém há a desejar que existam?
Será porque alguém chama a esses escarros, pérolas?
E, vencendo
a poeirenta borrasca do meio-dia,
alguém corre p'ra Deus,
temendo chegar tarde,
chora,
beija-lhe a mão nodosa,
implora -
que lhe falta uma estrela! -
jura
que, sem estrelas, não pode suportar este martírio.
E depois,
lá vai com a sua angústia,
mostrando paz na cara.
Perguntando a qualquer:
"Agora, estás melhor, não é assim?
Já não tens medo?
Não?"
Digam !
Lá porque estão acesas
as estrelas -
será porque elas são necessárias a alguém?
será porque é - indispensável,
que cada noite
por cima dos telhados
uma só estrela, ao menos, se ponha a reluzir?




vladimiro maiakówski
autobiografia e poemas
trad. de carlos grifo
presença
1977




05 outubro 2012

vladimir maiakówski / poema póstumo


  


Duas horas em breve.
                Estás deitada, talvez.
Na noite,
                como um Oka de prata
                             a Via Láctea corre.
O tempo é meu, e os relâmpagos
               que eram meus telegramas,
não mais te virão
               despertar,
                                 atormentar.
Como se diz:  encerra-se o incidente.
A canoa do amor
               foi-se quebrar de encontro ao quotidiano.
Eis-me quite contigo.
               E é inútil o passar em revista
penas,
               azares,
                                 e recíprocas feridas.
Vê,
               que paz no universo.
A noite
                impôs ao céu
                                  a servidão de tantas
                                                  tantas estrelas.
Chegou a hora
                em que a gente se ergue e em que fala
aos séculos,
                à História,
                               ao universo...





vladimir maiakówski
autobiografia e poemas
trad. carlos grifo babo
presença
1974