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14 fevereiro 2023

fernando guimarães / uma planta nasce

 



 

 
Uma planta nasce dividida num vaso. Metade das suas folhas
pertence-me; a outra é de alguém que desconheço. Ambos
estamos ali a ver o mesmo? É no meio que principia a erguer-se
um caule inexistente. Seremos os dois um só? E olhamos
para o que fica dividido até sabermos onde está completa a planta.
 
 
 
fernando guimarães
relâmpago
revista de poesia 15
fundação luís miguel nava
outubro 2004





23 setembro 2014

fernando guimarães / verona



Olhamos os caminhos da cidade,
os mais secretos, os que não existem,
ladeados por casas, muros, grades
que não passam de imagens, puros símiles
 
daqueles que nós sempre conhecemos.
Eram como um limite, agora imersos
na súbita memória de outro tempo
onde se encontram finalmente os mesmos
 

vultos que a cada instante se perdiam
para serem apenas a suspeita
se alguém que ao despertar já descobrira

quanto maior se torna ou mais intensa
a imagem dos lugares que principiam
nessa cidade que só foi ausência.
   


fernando guimarães



12 julho 2014

fernando guimarães / casa




Não é pela minha casa que caminho agora, mas através da imagem que tenho dela. As distâncias são maiores. Sempre que chego ao fim dos seus corredores sinto-me cansado. Por isso, ando mais devagar. Por vezes abro uma porta e o que vejo é apenas aquilo que imagino: um espaço que existe no meu espírito. Tudo nele é exacto, tranquilo. O ar principia a envolvê-lo como se encontrasse uma espécie de segredo ou a minha própria indecisão. Detenho-me nesse lugar como se esperasse por alguém. As paredes são brancas, levemente inclinadas. É assim que sinto como depressa vem o tempo ao meu encontro, mas nada acontece. Olho com mais atenção... Ao lado, distingue-se uma mesa vazia. As janelas conservam-se fechadas. Outrora podia ver a partir daí algumas árvores e escutar o seu rumor. Talvez conseguisse mesmo suster um pouco a respiração, quando esperava por uma atmosfera límpida e submissa. Ouvia também o mar, porque ele estava de novo sujeito às minhas palavras. Dirijo agora os passos para outras salas, aquelas que ficavam mais longe. Mas sei que todas são iguais. Nada podia perturbar a disposição que sempre tiveram, o equilíbrio último desta casa. Admito ter encontrado o seu centro, um lugar que todos julgavam não existir. Está nos meus olhos.



fernando guimarães 




04 janeiro 2013

fernando guimarães / pedra




Fender aqui a pedra; procurar o que se torna
no seu próprio sentido; este peso. Assim se espera
que chegue um equilíbrio novo até podermos conhecer
o modo como diante de nós fica imóvel. O tempo
há de passar depressa. As mãos estão unidas
à sua volta e recebem o que nela estava mais distante
até se consumar em nós o que também há-de ser
a leveza.




fernando guimarães
relâmpago
revista de poesia 29/30
outubro 2011/abril 2012



20 outubro 2011

fernando guimarães / tudo o que vês chega de longe





Tudo o que vês chega de longe: apenas um contorno
ou uma sombra que se desloca devagar. Há gestos
semelhantes a folhas que não caem. Principia agora
a luz a espalhar-se à nossa volta e a verdade torna-se
mais simples. É como um rosto que reconhece a sua idade.




fernando guimarães
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001