no bater das portas
entrei no lado azul da noite
em silêncio pesado
tropecei na verde porta
com palavras embrionárias
flui da obscuridade
sem nome de gente
empurrei o verão
esquecida, na inocência do tempo
do lado de lá, disseminei aromas
na magia dos ventos desabridos
rostos sedentos,
aterrados,
suspirantes no sossego
duma noite, sem paisagem
transpirada de azul
voraz passa incandescente
a idade louca de um tempo
20 março 2006
post it / l. maltez
19 março 2006
post it / rui martins
eclipse
há um piano a tocar(te) no quarto.
Fixas os olhos em mim e deixas o tempo passar
atrasando as horas
negando beijos
adormecendo na minha mão, todos os dias mais um pouco.
[Amo-te porque existo]
Sopro água nesse rosto
conto as gotas e adormeço no banco das tuas mãos transparentes.
Flutuas sobre a cama na força que drenas do corpo tocado Existes eternamente nua em cada marca que os meus lábios deixaram [em cada regresso] Com um gesto fechas os olhos, dás-me outro mundo, guardando-me dentro de ti como fazes aos segredos.
PS - Conservo os teus mamilos em absinto queimado, ainda me ardem na boca.
rui martins
há um piano a tocar(te) no quarto.
Fixas os olhos em mim e deixas o tempo passar
atrasando as horas
negando beijos
adormecendo na minha mão, todos os dias mais um pouco.
[Amo-te porque existo]
Sopro água nesse rosto
conto as gotas e adormeço no banco das tuas mãos transparentes.
Flutuas sobre a cama na força que drenas do corpo tocado Existes eternamente nua em cada marca que os meus lábios deixaram [em cada regresso] Com um gesto fechas os olhos, dás-me outro mundo, guardando-me dentro de ti como fazes aos segredos.
PS - Conservo os teus mamilos em absinto queimado, ainda me ardem na boca.
rui martins
17 março 2006
estações
2)
Sandro Botticelli, Birth of Venus (detail)
hoje,
o sopro dos anjos,
onde já nem a sombra
chegava.
gil t. sousa
16 março 2006
post it / carla ribeiro
eu sou as personagens que tu representas
as falas que inventas
as histórias que gostarias de ter vivido
os sentimentos que sabes ter fingido
a cartilha das tuas opções
o chorrilho das tuas razões
as viagens que nunca fizeste
o grande amor que não tiveste
o talento que não é o teu
o saber que tens e que é o meu
a tua vida é o maior livro em que escrevo
nele não ficará registado tudo aquilo que não fiz
tudo aquilo que quero escrever mas de verdade temo
carla ribeiro
as falas que inventas
as histórias que gostarias de ter vivido
os sentimentos que sabes ter fingido
a cartilha das tuas opções
o chorrilho das tuas razões
as viagens que nunca fizeste
o grande amor que não tiveste
o talento que não é o teu
o saber que tens e que é o meu
a tua vida é o maior livro em que escrevo
nele não ficará registado tudo aquilo que não fiz
tudo aquilo que quero escrever mas de verdade temo
carla ribeiro
15 março 2006
post it / m. f. s.
até nós chegavam as notícias murmuradas
nas brisas da beira-mar
eram os rastos das jovens mães em alvoroço
os sons desarticulados das crianças nos ninhos
o desenho do futuro incandescente
as adolescentes ensaiavam meneios
como protagonistas de telenovelas
e riam olhando de través os rapazes
gulosos
os cabelos embranqueciam
nas cabeças dos animais domésticos
de olhos suplicantes
era notícia
m.f.s.
13 março 2006
estações
1)
se não fosse segunda-feira, metia uns ténis e uma t-shirt preta. punha os headphones com muito Pergolesi (sim, o Giovanni Battista) : Stabat Mater nas versões que me fosse possível reunir. saía pelas ruas mais solarengas e cagava-me para o facto de ser o elo mais fraco na cadeia da criação. sentava-me na Capela Sistina, volume no máximo, ria-me muito cá para dentro daquele cromo que vai dar 160 mil euros para viajar no espaço e passava a manhã a perguntar-me:
- mas quem era este Miguel Ângelo?
… mas sendo segunda-feira, deixo o telefone tocar, minimizo o excel e colo aqui este pormenor.
se não fosse segunda-feira, metia uns ténis e uma t-shirt preta. punha os headphones com muito Pergolesi (sim, o Giovanni Battista) : Stabat Mater nas versões que me fosse possível reunir. saía pelas ruas mais solarengas e cagava-me para o facto de ser o elo mais fraco na cadeia da criação. sentava-me na Capela Sistina, volume no máximo, ria-me muito cá para dentro daquele cromo que vai dar 160 mil euros para viajar no espaço e passava a manhã a perguntar-me:
- mas quem era este Miguel Ângelo?
… mas sendo segunda-feira, deixo o telefone tocar, minimizo o excel e colo aqui este pormenor.
gil t. sousa
12 março 2006
Nem Sempre Sou Igual
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...
Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos
12 fevereiro 2006
Palavras em desalinho para uma despedida
Para onde foi o amor, anuncia a rádio,
com a Bette Davis, num cinema de subúrbio,
e também eu pergunto, inutilmente te pergunto,
para onde – se alguma vez, entre nós, realidade teve.
Indomada a solidão firma as suas raízes
e, canção que vem com o vento, irmana-nos no ódio.
Porque podem o cavalo e a serpente dois anos conviver
que nem por isso há-de ter neles morada a ternura,
a noite guardará os seus relances de insónia e destruição.
“Quand vous serez bien vieille”, escreveu Ronsard,
e Henry Cristophe suicidou-se com uma bala de prata,
formoso e absurdo gesto: palavras que só a Beleza selará.
Nunca a mesquinhez ou o engano serão vencidos pela idade,
nem prevalecerá a prata sobre o sangue
no desesperado estertor final.
Para onde foi o amor, oh tu, que sempre amaste,
donzela pura confiada às presas da fera.
E dias deixaste passar, e horas transparentes,
onde cada sílaba exumou o seu peso de verdade.
Ilusório domínio da tua vida,
não quiseste então, nem uma só vez o quiseste,
o tutano último das palavras,
o que nu e virgem se levantava entre elas.
Mais cómodo e alegre foi aprender aquilo que fácil se oferecia
com valor bastante para ser leiloado numa festa.
Triste é ser juiz e mais ainda ser verdugo.
Como um cego, agora, vagueio na memória
tacteio os frágeis muros onde a sombra derramaste,
esbarrando na tua lembrança, mesmo à beira do que já não existe,
infantil e torpe. Treme nas minhas mãos um punhal.
Para onde foi o amor.
Eis as palavras para uma despedida.
Juan Luís Panero
“Antes que chegue a noite”
Fenda, 2000
PS: até sempre!
22 setembro 2005
posição política
Bananas
A banana tornou-se um fruto demasiado precioso para simbolizar esta república. O fungo da foleirice invadiu tudo. O país devia ser evacuado e desinfectado.
Já não serve de nada escolher entre um Soares e um Cavaco. O único protesto decente é abandonar o país aos seus ratos.
gil t. sousa
07 setembro 2005
quatro estações #crónicas de verão
Não quero perder o navio em Nova Orleans
Não quero perder o navio em Nova Orleans.
Não quero perder o navio.
Quero subir este vasto e fundo Mississipi
Que foi sonho da minha vida aventureira.
Quero subir o rio de margens baixas, verdes,
O rio lodoso que rasga um continente
Até ao coração desta cidade em perdição perdida.
Quero subir o rio depois de ter visto nos bars escuros
As mulheres nuas de Nova Orleans.
Quero subir o rio na barca antiga,
Igual à das estampas antigas.
Quero subir o rio que já não tem aventura
Para guardar na memória este pedaço de aventura.
Já não há troncos de árvore à deriva no rio,
Mas eu quero agarrar-me ao tronco de árvore
Que à deriva,
No rio,
Arrasta para o mar
Este sonho de fuga
E de abordagem
E de viagem
E de evasão
Para mundos distantes,
Para cidades exóticas,
Para mares insondáveis,
Para rios infindáveis,
— Este sonho de fuga
Que marcou, indelével,
No mapa da vida,
O meu destino.
Nova Orleans, 30 de Abril, 52.
Joaquim Paço d´Arcos
“Poezz”
Almedina 2004
02 setembro 2005
quatro estações #crónicas de verão
ESCATOLOGIA POÉTICA DOS ATROFIOS
1.
Uma questão menor
Nada de pessoal
Um acesso de furor --
Ausência
Falta
Tudo se destrói;
O círculo degenerou em espiral
Faltam ideias
Falta vontade
Respirar é um caos
Nada é verdade,
Só a sua falta.
E o comboio do ódio afasta-se em silêncio
E eu parado
Parado, atafulhado em cigarros
Cigarros e mais cigarros --
Paralisia infernal de desgosto e raiva e morte
(Arrependimento não?)
Lágrimas
Solitárias
Um telefone
Desligado
E mais cigarros
Mais dúvidas
Onde a esperança ainda vive
Falta rogar a Deus,
Só rogar a Deus.
Lá longe, o comboio do ódio rasga planícies cinzentas de indiferença e
morte.
j-
1.
Uma questão menor
Nada de pessoal
Um acesso de furor --
Ausência
Falta
Tudo se destrói;
O círculo degenerou em espiral
Faltam ideias
Falta vontade
Respirar é um caos
Nada é verdade,
Só a sua falta.
E o comboio do ódio afasta-se em silêncio
E eu parado
Parado, atafulhado em cigarros
Cigarros e mais cigarros --
Paralisia infernal de desgosto e raiva e morte
(Arrependimento não?)
Lágrimas
Solitárias
Um telefone
Desligado
E mais cigarros
Mais dúvidas
Onde a esperança ainda vive
Falta rogar a Deus,
Só rogar a Deus.
Lá longe, o comboio do ódio rasga planícies cinzentas de indiferença e
morte.
j-
31 agosto 2005
quatro estações #crónicas de verão
tree shadow
vaga de fundo
Preguiçoso e réptil,
náufrago no anoitecer deste Agosto interminável
sem sequer uma brisa de mar para me levar à nostalgia.
As paredes começam a apodrecer.
Sinto ao longe
o estrépito inclemente da festa. Gargalhadas e gritos,
alguém canta. Também rio. Porque não?
Pouco importa
o gesto. Pouco importa
este deserto glutão e terno
que me come até toda a tristeza.
Marc Granell
"Quinze poetas catalães"
Trad. Egito Gonçalves
Ed. Limiar, Porto, 1994.
18 maio 2005
quatro estações #crónicas de primavera
bird and bench
me enfrento
do fundo da minha covardia me ergo e enfrento
da convicção da minha teimosia arranco a determinação
e do orgulho a vontade de continuar
da vergonha o medo de desistir
e da incerteza a vontade de descobrir
da timidez faço a capacidade de desenrasque
e da falta de eloquência um silêncio inteligente
da tristeza os sorrisos
da solidão a alegria de viver cada momento
do fraco faço forte
e da fraqueza aparência de grande força
só pelo medo de sofrer, que é tão grande em mim.
c. ribeiro
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