Sonhei tanto contigo que vais perdendo realidade.
Irei ainda a tempo de alcançar esse corpo vivo e de
beijar nessa boca o nascimento da voz que me é querida?
Sonhei tanto contigo que os braços habituados,
sempre que abraçam a tua sombra a cruzarem-se-me sobre o peito, talvez nunca
mais encaixem nos contornos do teu corpo.
E, perante a aparência real do que me assombra e me
governa, desde há muitos dias e anos, talvez eu me venha também a tornar sobra.
Ó balanças sentimentais!
Sonhei tanto contigo que talvez já não vá a tempo
de acordar. Durmo de pé, com o corpo exposto a todas as aparências da via e do
amor, e tu, a única de todas que hoje conta para mim, posso menos tocar a tua
testa e os teus lábios do que os primeiros lábios e a primeira testa que por aí
apareçam.
Sonhei tanto contigo, caminhei tanto, falei tanto,
dormi tanto com o teu fantasma, que só me resta talvez, e todavia, ser fantasma
entre fantasmas, e cem vezes mais sombra do que a sombra que passeia e passeará
alegremente pelo relógio de sol da tua vida.
robert
desnos
sonhador definitivo e perpétua
insónia
uma antologia de poemas
surrealistas escritos em língua
francesa
trad. regina guimarães
contracapa
2021
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