02 julho 2021

louise glück / matinas

 
 
O que é para ti o meu coração
se o partes tantas vezes,
como dedicado jardineiro estudando
a sua nova espécie? Experimenta
noutras coisas: como posso eu viver
em colónias, como gostarias, se me impões
uma quarentena de angústia, separando-me
dos membros saudáveis da
tua própria tribo: não fazes isto
com o jardim, não discriminas
a roa doente; deixa-la agitar as folhas
afáveis e infestadas no
rosto das outras rosas, e os minúsculos afídios
saltam de planta em planta, provando uma vez mais
que eu sou a mais irrelevante das tuas criaturas, depois
do próspero afídio e da rosa trepadeira. Pai,
tu que és a causa da minha solidão, alivia
pelo menos a minha culpa; levanta
o estigma do isolamento, a menos
que seja teu desígnio tornares-me
de novo e para sempre sã, tal como eu era
sã e plena na minha infância equivocada,
ou então antes, quando estava sob o coração de minha mãe
batendo leve, ou antes ainda,
em sonho, como um ser
primeiro que nunca morre.
 
 
 
 
louise glück
a íris selvagem
tradução de ana luísa amaral
relógio d´água
2020





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