30 março 2018

carlos eurico da costa / [de sete poemas da solenidade e um requiem]




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Nas grandes linhas que partem para os horizontes
onde tu caminhas à tarde agitando os braços
nas noites nas nossas noites de derradeiro amor
o meu cabelo em chamas anuncia no teu rosto
a noite que abandona as montanhas duma certa idade
e nos desfiladeiros onde se projecta até ao desespero
é o cantar duma ave estranha
no crepúsculo é a prostituída flor vermelha
oculta nas vielas escuras da cidade
onde as pontes cruzam as ruas em movimento
e a tua imagem acompanha a sombra dos veículos
nas vitrines o manequim bem vestido ou abandonado
que as aves adoram ao amanhecer
quando ainda adormecida nos areais
os teus seios incandescem os meus múltiplos abraços
nas casas a janela sempre fechada
nos jardins o banco em ruínas
e eu
o mago extra-mundo
mago fascinador e sempre mutilado
a estudar quiromância nas noites de desespero
e chamar a tua imagem
para a posse em que o acto sexual é a troca de um cabelo.
Não a deusa ou o embrião
não o homem civilizado mas sim a mosca
dizendo que flor renasce quando surges
nas rotas nas longas muralhas
nas pedras onde o tempo grava os poemas
que os meus dedos tentam perfurar
na necessidade mítica dum desejo plausível
nos leitos onde todo o nosso amor for vivido
nas noites que as estrelas encaminham
nas águas da praia onde adormecemos
o teu ombro no meu rosto
as tuas mãos penetrando a areia
como o ventos penetra os triângulos petrificados
os teus cabelos descendo até ao mar.



carlos eurico da costa
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
de perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998










1 comentário:

Porventura escrevo disse...

Gostei muito.
Gostava de ser abstrato o suficiente para escrever assim